Entrevista: Surfer Blood
Surfer Blood é uma das principais referências daquele indie rock divertido e descompromissado que ouvimos tanto ao longo da última década. Com um novo senso de maturidade nas costas, a banda norte-americana entregou recentemente o ótimo Carefree Theatre, o quinto álbum em sua discografia.
Ele traz John Paul Pitts e seus parceiros de volta ao seu estado de origem, a Flórida, em faixas que passeiam por cenários locais (como o que nomeia a obra) e relembra situações marcantes para aquela população, como o tiroteio em uma escola em Parkland. Entretando, o disco não nega a identidade mais tranquila da banda e entrega uma vibe no geral bastante ensolarada.
Foi sobre isso que Pitts falou ao Música Pavê recentemente em uma chamada de vídeo. Com muita simpatia, ele se mostrou orgulhoso do trabalho que vem fazendo e relembrou uma história de sua primeira noite no Brasil.
Música Pavê: Antes de falar contigo do disco, quero fazer uma pergunta. Me chamou atenção a frase “Surfer Blood é a banda mais limpa do mundo”. Que isso significa?
John Paul Pitts, Surfer Blood: Quer dizer que é muito difícil escrever sua própria biografia (risos). Quando começamos a trabalhar com nosso manager, ele veio nos visitar na Flórida, na época em que todos dividíamos uma casa, e ele esperava encontrar um lugar nojento. Mas ele não parava de falar do quanto a casa era limpa (risos). Somos adulto agora, já conseguimos dar conta da limpeza sozinhos.
MP: Por falar na Flórida, Carefree Theatre é um disco sobre seu retorno ao seu lugar de nascimento, e traz cenários bastante específicos. Quando você canta sobre eles, é sobre como você os enxerga hoje ou baseado na sua memória afetiva?
Pitts: Hmmm quer saber? É uma ótima pergunta cuja resposta é algo que eu nunca pensei. Acho que vemos tudo pelas lentes do passado. Morei na Califórnia por seis anos, e foi difícil ter um relacionamento à distância com a banda (risos), mas demos um jeito de funcionar. Em 2018, descobri que minha mãe estava doente. Juntei minhas coisas e voltei para a Flórida para estar com ela em seu último ano de vida. Sou muito grato por ter vindo. Esse processo te torna nostálgico, te faz pensar em tudo o que já viveu. Há muita introspecção no álbum.
MP: Mesmo com músicas sobre assuntos tensos, como Parkland, eu sinto que há uma leveza maior nas músicas em relação aos seus trabalhos anteriores.
Pitts: Gosto de ouvir isso. Sempre que eu componho uma música, eu penso em como ela se relaciona com o contexto em que ela virá – é como se eu já estivesse montando um álbum antes de compor uma música. Desta vez, quis escrever o maior número de canções possível, porque o pior que pode acontecer é eu guardar algumas no meu arquivo. Me desafiei a isso e acabei usando quase todas as faixas: Compus 25 e agora temos um LP e dois EPs, o que eu considero de bom tamanho. Sinto que as pessoas sempre tropeçam na ideia do que um disco tem que ser, mas na verdade ele só precisa ser uma coleção de músicas que fiquem boas uma do lado das outras. Muitas das que eu escrevi eram animadas, e elas foram minhas primeiras escolhas para o álbum. Gosto de músicas tristes também, mas é preciso ter um equilíbrio. Variedade é importante.
MP: Quando vi o clipe de Summer Trope, logo tive a impressão de que vocês estavam se divertindo bastante na produção. Daí, ao escutar o disco, notei a mesma vibe, que vocês estavam fazendo algo que curtiam bastante.
Pitts: Sim, foi um clipe muito legal de fazer. Ele foi totalmente baseado em uma ideia bastante aleatória. Ele é sobre alienação, você pensa que o personagem está sozinho em uma ilha, mas logo nota que há mais gente em volta. Ele poderia pedir ajuda a qualquer um, mas escolheu não pedir. O vídeo abraça a ideia que, a esse ponto da vida, estar em uma banda tem a ver mesmo com se divertir com seus amigos, mais do que qualquer outra coisa. Quando você sai da obscuridade e é lançado aos holofotes aos 23 anos, você fica obcecado com a ideia de profissionalismo, de ter o melhor equipamento e estar super presente nas entrevistas. Aí, você faz 30 anos e pensa “olha, eu comecei a fazer isso pra me divertir, está na hora de me render a essa ideia” (risos). Para minha sorte, meus colegas de banda são meus melhores amigos. Então, sim, nos divertimos juntos.
MP: Neste ano, vocês comemoraram o décimo aniversário de seu álbum de estreia, e lançaram agora o quinto disco. Como é, para você, chegar a esses marcos?
Pitts: É louco, algo para se orgulhar. Eu tenho todos os nossos discos na prateleira do meu closet e, toda vez que eu entro, olho para eles e tenho aquela sensação de orgulho de ter feito tudo isso (risos). Tenho muito orgulho dessa última década.
MP: Para você, quais as diferenças de gravar um disco agora em relação a dez anos atrás?
Pitts: Eu certamente me sinto muito mais à vontade agora. Sei que Surfer Blood tem um som próprio e que, se eu tentar fazer qualquer outra coisa, ainda vai parecer com algo nosso (risos). Você sabe qual vai ser o resultado, e isso é reconfortante. Eu sou muito mão na massa em questão de produção dos nossos discos e – não quero me gabar, mas… – eu fiquei bom nas gravações. Antes, era um milagre quando algo ficava legal, porque eu estava tateando no escuro, sem ideia do que estava fazendo, era tudo tentativa e erro. Agora, posso confiar nos meus instintos.
MP: Você tem toda essa obra lançada, entre álbuns, EPs e singles. Se você pudesse escolher, como gostaria que Surfer Blood fosse lembrada no futuro?
Pitts: Hmm é uma ótima pergunta. Eu gostaria de estar vivo na memória de todos os seres vivos do planeta como uma ótima banda, mas isso não parece muito plausível (risos). Não sei. Tem um selo na Nova Zelândia chamado Flying Nun Records que fez um trabalho muito legal nos anos 1980. Todas as suas bandas eram ótimas, pequenas gemas com aquele charme de serem amadoras e ambiciosas ao mesmo tempo. Quando conheci essa cena que aconteceu no ano em que eu nasci, foi como se eu descobrisse um tesouro. E talvez, daqui 20 anos, as pessoas olhem para Surfer Blood assim. Sei lá, eu posso ter essa esperança, né? (Risos)
MP: Para encerrar a entrevista, gostaria de mencionar seus shows no Brasil. Quais suas memórias favoritas de tocar por aqui?
Pitts: Oh my god. Tivemos a sorte de tocar no Rio, São Paulo e Porto Alegre, lugares muito diferentes um do outro. SP é uma cidade tão grande que eu nem acreditava, tocamos lá duas vezes. Um foi em um festival, o outro era ao ar livre no mesmo palco que Wild Nothing, e terminamos a noite em um rooftop com vista para a cidade, foi muito especial. No Rio, o mais incrível era ver macacos nos prédios da mesma forma que nos EUA vemos esquilos. Eram “mini-pessoinhas” vendo a gente comer (risos). Minha história favorita no Brasil foi ir a uma churrascaria em nossa primeira noite, quando me falaram que eu deveria experimentar coração de galinha. O garçom trouxe e eu, um americano típico, achei que espanhol e português seria a mesma coisa e falei dos (dois), mas ele ouviu “todos” e esvaziou o espeto no meu prato (risos) e eu tinha 25 corações de galinha no meu prato. Experimentei um e gostei, mas não queria comer tudo aquilo (risos).
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