Nego Bala: “Eu sou funkeiro, e o funk é poesia”

A força poética de Nego Bala vai à sua frente – seja nas músicas, nos vídeos ou mesmo em uma conversa. Falando ao Música Pavê, o músico paulistano comentou algumas das entrelinhas que notamos em sua (ainda jovem) obra, que sintetiza em versos e beats a enorme quantidade de vida contida em seus 22 anos.

“Eu venho escrevendo umas coisas desde moleque, mas eu nunca conseguia ver pelo meu prisma o valor das minhas palavras e do que eu vivi”, conta ele, “escrevia mais para ser uma válvula de escape, pra eu poder respirar – moleque de 11 anos vendendo droga, a mãe usando -, mas não dava valor, aí alguém lia e falava ‘ô, mano, você é poeta’, e eu falava que ‘não, porque para ser poeta tem que se formar’. Subversivamente, na mente da comunidade, você tem que ser formado [para ser poeta], a gente vê a poesia como algo elitizado. Com o passar do tempo, eu fui entender que, mano, o que eu vivo é poesia. Eu me limitava através de uns pensamentos pré-concebidos e comecei a valorizar minhas falas e minha escrita, até chegar o momento em que eu falei ‘mano, isso é poesia, eu sinto’”.

Criado na Cracolândia, no centro de São Paulo, Bala insere a vibração desse seu berço em suas músicas. “Ttoda quebrada tem sua energia, e a do centro de SP é muito diferenciada”, explica, “a cidade não para, o seu cérebro também não, até quando você está dormindo. E tem que saber sobreviver, porque o centro de engole. Só de você acordar no centro, já acorda pesado. A armadura que eu tenho hoje, espiritualmente falando, vem da minha quebrada. É como se a gente saísse do centro da Terra sem ter pegado fogo, é resistência. Não tem nada que possa nos parar, porque a gente vem do núcleo da terra, da parte mais baixa do mundo, que faz a gente ser o mais alto na humildade, no choro, na arte”.

“Eu vim de uma realidade em que eu não posso vacilar, tá ligado? Eu já vacilei e fui preso”, comenta Bala, “por isso que eu falo para a gente valorizar nosso medo, nosso ódio, nosso desespero, porque a gente aprende a se respeitar. Tem gente que financia que tirem nossa paz, então a gente tem que aprender a lidar com o ódio e a guerra. A gente quer paz e luta por ela, mas nossa matéria prima é o ferro e o fogo”.

Bala diz que o contato com escritores como algo definitivo para sua formação criativa, citando Oswald de Andrade na poesia e também Paulo Freire. Sobre ler a obra do educador, o artista comenta ter sido “muito bom para ter consciência do que eu falo e do que eu vivo”. “Artista influencia, né? E querendo ou não, eu vou influenciar”, comenta ele, “então, eu busco a excelência e a verdade no que eu digo. Às vezes não é a verdade para todo mundo, mas é a minha. Minha mãe usando crack, meu pai tocando violão no ônibus e vendendo vários bagulhos no farol para nos criar, aí eu me envolvi no crime achando que seria um atalho e, de fato, virou uma bola de neve na minha vida”.

Ele entende cada vez mais também seu papel dentro do legado do funk. “Quando estava na boca comerciando meu entorpecente e não tinha mais espaço na minha vida pra jogar um fute, pra ir ali na pracinha com os moleques trocar umas ideias porque eu tinha que terminar minha reponsa, eu rimava. E o ritmo que me pegou foi o funk”, explica Bala, “essa foi minha escola. Fui crescendo e o funk me salvou, então tenho uma dívida de evoluir o funk através de mim. Os parceiros lá de trás fizeram suas partes, e agora eu também quero fazer a minha. Eu quero ser referência lá na frente também. Ainda falam do funk com uma certa depravação, com um cisto do olho. Quero falar do funk como se fosse Philip Glass! ‘Caralho, cê viu o acorde que aquele moleque colocou naquele arranjo? Viu o instrumento que ele usou?’”

“Eu sou funkeiro, e o funk é poesia”, conta Bala, “muita gente discrimina, o próprio funk não se vê como protagonista de sua própria história, mas ele é uma ferramenta de empoderamento para denunciar a desigualdade que atinge a comunidade. E poesia é isso, é o sentido exposto, o dedo na ferida, ou ela querendo cicatrizar, é a voz de quem não tem voz. Se isso é poesia, então o que eu faço é poesia”.

E é com liberdade poética que Nego Bala quer trabalhar sua música – “gosto de fazer uns bagulhos fora da caixinha”, como ele diz. Tanto é que sua apresentação no Coala Festival neste sábado (12, às 18h55 – mais detalhes abaixo) está sendo pensada para surpreender: “No palco, eu decidi inovar: Vou com violoncello e violino”, conta ele empolgadamente, “como sou funk, as pessoas estão esperando só um DJ, mas venho com sax barítono, violino, cello, DJ e percussão”.

A relação com o Coala vem muito antes deste sábado, em uma parceria com a iniciativa Coala.Lab que já gerou um documentário e nos dará em breve seu primeiro álbum. Ainda sobre o festival, no qual ele é o único nome no line up que fará uma apresentação solo, Bala comenta, com as mãos no rosto: “Gilberto Gil, MC Tha, Novos Baianos, Mestrinho… mano, quem sou eu? Apenas mais uma gota no oceano. Bora fazer o baile pegar fogo no Coala e esperar esse disco sair com muita fé”.

A edição de 2020 do Coala Festival será transmitida pela Web de um lugar secreto em meio à natureza. Além de Nego Bala, o evento contará com Gilberto Gil +  Gilsons (com participação especial de Bem Gil), Novos Baianos, MC Tha convidando Rico Dalasam e também Mariana Aydar com Mestrinho. Ele pode ser visto no site coalafestival.com.br neste sábado (12) a partir das 14h.

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