Vitor Kley contempla uma “realidade linda” dentro de sua “Bolha”
É um assunto frequente no Música Pavê que a música pop brasileira vive um momento particular em sua história, tanto em termos de popularidade quanto pelo amparo sentimental que ela oferece aos ouvintes e também na estética múltipla com que ela se configura. Um de seus maiores expoentes é Vitor Kley.
Ele é da mesma turma que investe em canções (românticas, no geral) de instrumental refinado e refrões que ficam bem no rádio, como Anavitória, Melim, Lagum, Vitão e Jão – esses dois últimos, não por acaso, fazem participações no álbum A Bolha, que sai hoje, 18 de junho.
Às vésperas do lançamento, Vitor falou ao site por telefone, explicando um pouco da jornada que o levou à nova obra e sobre esse contexto do qual ele faz parte.
Música Pavê: Uma frase sua me chamou atenção de cara: “Nunca soube me definir e não quero”. Penso que, em 2020, as classificações têm cada vez mais peso de “limitações”, e faz sentido ouvir isso de você, conhecendo seu trabalho.
Vitor Kley: Eu acho essa frase é impactante mesmo, alguns fãs até falaram que isso me define muito. Eu me referia a som, mas é algo muito maior do que somente musical. Eu acho lindo isso, somos todos iguais, somos seres humanos e a gente é o que a gente quiser ser. Acho a coisa mais linda do mundo aquela pessoa que você não sabe definir, mas vê que é especial. Isso tem a ver com o som também. Eu não sei definir meu álbum, não sei dizer o que ele me lembra, qual a referência. São várias coisas misturadas.
MP: Vivemos um momento muito peculiar no pop brasileiro. O que você acha que esse movimento no qual você está inserido tem de melhor?
Vitor: Eu acho lindo ver vindo toda uma galera, não só um cara. Isso é lindo porque unifica os fãs, move mais pessoas pra coisas boas. Essa galera só fala coisas boas, são pessoas que eu conheço e que são incríveis. Ninguém faz nada sozinho, todo mundo se desenvolve com as influências ao redor. Quando tu vê uma roda de violão e um monte de gente fazendo um som que tu curte, fazendo um som bom, tu fala ‘não tô sozinho nessa’.
MP: E o que você acha que Vitor Kley acrescenta a esse cenário?
Vitor: Todo mundo tem um pouquinho pra acrescentar, cada um à sua maneira. Rubel falou esses dias que eu sou como um “guardião da felicidade” (risos), que estou espalhando bem seja onde for. Eu acho que é muito essa a missão, muito além da música. Vitor Kley se resume a muitas pessoas que estão comigo ao meu redor, com a filosofia de fazer as pessoas saírem daqui melhores do que chegaram, seja no show, ou em sessão de autógrafos. Eu preciso que elas fiquem melhores ao me encontrar, essa é nossa maior batalha. Tem tanta coisa maluca no mundo e eu vejo que, por onde a gente passa com esses artistas, as pessoas saem com sorriso no rosto.
MP: Conta mais sobre como tem sido dividir estúdio, palco e outras experiências com esse pessoal?
Vitor: Passei mais da metade da minha vida estudando música, e fico muito feliz quando vejo pessoas que têm um sentimento, vejo que existe música de entrega de alma de verdade mesmo. Eles são muito de verdade, eles abriram a boca pra cantar e já ficou lindo, como o cara imaginava. Quando eu encontro pessoas como eles, me dá aquela paz, alegria, esperança de quando tu vê coisa de verdade. Isso é legal. Aprendi, refleti e achei massa.
MP: Falando agora sobre o disco, a leitura que eu fiz quando vi que você estava nu na capa foi a de que a obra teria uma grande entrega sua, “de corpo inteiro”. Conta sobre o conceito dessa arte?
Vitor: Eu sonhei com esse lance do roxo há quase um ano. Eu tinha uma música que chama A Bolha na época que fiz a O Sol. Eu morava com minha família e passava muito tempo no meu quarto fazendo música, então eles brincavam que eu vivia numa bolha. Quando eu falei pro Rick (Bonadio, produtor do disco) do fundo da capa ser roxo, ele sugeriu que eu estivesse pintado dentro da bolha. Aí a gente começou a pirar. Como você disse, esse aqui sou eu, nu e cru, é minha verdade despida mesmo. Não tem roupas, tem só arte e eu ali.
MP: “Bolha” é uma palavra bastante comum atualmente, seja falando de pertencimento ou então de estar entre os seus similares. Como você tem entendido sua “bolha” hoje em dia?
Vitor: O lance da bolha eu acho muito louco, porque [esse conceito] sempre esteve ao meu redor no decorrer dos anos. Eu fazia um improviso na passagem de som e falavam “o cara tá ali fazendo um som na bolha dele”. E eu entendi que tenho uma bolha e quero dividi-la com as pessoas. A música A Bolha fala que meu sonho é não querer acordar, porque eu tenho uma realidade que é linda e tô podendo viver dentro de uma bolha, fazendo minhas coisas e sendo feliz. Vi que eu queria que todo mundo vivesse isso que eu tê vivendo.
MP: Reparei que as letras do disco ou são mais românticas, ou tratam de temas bastante universais. Minha interpretação é que, independente do conteúdo, as músicas juntas criam um obra de alta dose emocional.
Vitor: Uau, adorei isso! Todas essas letras são muito reais, a única mais fictícia foi Jacarandá, que a gente inventou, mas a vida foi mostrando que essa música foi enviada do universo, que a gente precisava criar essa história mesmo. Sempre que me escuto cantando, fico me criticando, mas parece que eu tô de novo vivendo as letras desse disco sempre que eu ouço. Acho que a gente vai conseguir dar essa alta dose emocional pras pessoas. Se o cara passou por um pouquinho dessas coisas aqui, ele vai revivê-las de novo, seja sobre uma mina, ou alguma tristeza. Eu quero que eles escutem as músicas e vivam, que não sejam só mais uma música, mas que eles falem “caralho, broder” (risos), “estou ali dentro da letra”.
MP: Achei interessante também como tem faixa mais pro lado do rock, outras são mais MPB. Como você disse, fica difícil defini-lo. Como foi montar esse repertório tão múltiplo?
Vitor: Eu vou fazendo as músicas – a própria A Bolha deve ser de 2016, por ali, Retina é de 2015 – e a gente tem uma pasta em que eu mando todas elas, daí [Rick e eu] separamos entre as boas e as muito boas. Aí, um dia eu falei “acho que a gente precisa fazer um álbum”, fomos na pasta e fomos fazendo uma seleção. Foi unânime, nós dois escolhemos as mesmas. Aí pronto, que legal, começamos a gravar no escritório dele, nem era no estúdio, fomos pensando umas cordas, um piano, para as que fossem mais classudas ( como O Amor é Segredo). Gostamos do rock, da mpb, do r&b, as trilhas sonoras do Charlie Brown Jr. em Malhação (risos). Fizemos o que gostamos, sem se preocupar muito. Eu penso que O Sol já existe e ela vai ser sempre ela. Então, não vai existir outra O Sol, outra Morena. Agora é um novo caminho, são novas músicas e elas vão ditar o que elas são.
MP: Para terminar, como você acha que se lembrará desta fase no futuro?
Vitor: Eu tenho quase certeza que eu vou olhar pra trás e, depois de um tempão sem ouvir o álbum, vou falar “que sonzeira que nós tiramos”, aí depois vou falar “pô, cara, nós fizemos o que queríamos fazer nesse disco, o que curtíamos”. Eu acho todas muito lindas, contam a minha história com frases incríveis que eu tenho vontade de tatuar. É um álbum que mostra quem sou. E acho lindo que a gente começou a entrevista falando “nunca soube me definir” e acaba a entrevista falando que esse álbum é quem eu sou, é quem me define (risos).
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