Tame Impala, Relacionamentos e Cultura: Papisa Propõe Uma Reflexão

foto por filipa aurélio

O que é uma obra de arte, ou produto cultural, se não uma desculpa para que diálogos possam ser abertos a partir de seus – ou outros – temas?

É como parte desse ciclo que Papisa lança Homem Mulher, faixa que vem como resposta a suas reflexões a partir de outra música: Cause I’m a Man, que Tame Impala lançou em 2015.

Mais do que estabelecer um ponto de vista direto, Rita Oliva (a Papisa em pessoa) optou por dar continuidade às interpretações que podem surgir a partir de sua composição. “O nome da música é Homem Mulher sem vírgula, sem hífen. As ambiguidades começam já aí”, conta ela ao Música Pavê. “Ela não foi feita de forma pessoal, como se contasse uma história minha, mas fala muito mais de um padrão em que a mulher acaba se submetendo a alguns costumes e comportamentos masculinos para manter um relacionamento, e um padrão masculino de lidar de uma forma desonesta dentro do relacionamento”.

O vídeo acima traz a música ao mundo pela primeira vez, mas ela foi escrita lá em 2015, assim que Cause I’m a Man saiu. “Tive tempo para amadurecer a letra, e também entendê-la melhor – isso acontece bastante comigo, de escrever uma coisa que vou entender depois (risos)”, comenta Rita, “me sentia um pouco desconfortável cantando a música naquela época, porque eu sentia que existia um discurso de que tudo [no feminismo] deveria ser homogêneo, mesmo havendo tantos pontos de vista. Não quero me juntar a um discurso que não tenha nuances, que não tenha espaço para sutilezas da gente entender as coisas profundamente. Lançar a música nesse momento pode até ter menos impacto como discurso feminista, porque a gente já falou tanto disso, então sinto que abre espaços pra gente olhar o assunto por vários ângulos. Porque a música tem nuances, ela fala desse comportamento masculino, que eu tirei da frase do Tame Impala, mas ela tem também uma coisa meio dúbia. Ela traz um pouco da manipulação da mulher, e traz um pouco desses jogos que são muito mais complexos do que o preto no branco”.

“Isso tem a ver com a evolução das minhas ideias desses assuntos, mas também do coletivo”, explica ela, “a gente está desenvolvendo com mais profundidade as questões que antes eram levantadas como bandeira de forma unilateral. Acho muito saudável que a gente discuta. Eu não gosto do movimento de calar as pessoas, porque aí você reprime. A cultura do cancelamento não funciona porque a gente tira o espaço de diálogo, que é o que mais importa. Se você simplesmente calar uma pessoa, aquele padrão não vai se transformar”.

Todas as ambiguidades presentes na letra não são à toa: Elas reforçam o caráter interpretativo que essa (ou qualquer) canção possui. “Começo cantando na perspectiva de um homem, enquanto, na segunda parte, entendo que ela fica um pouco mais sem gênero, mas traz um comportamento feminino”, explica Papisa, “acho que tudo vem muito de um comportamento que a gente tem de jogo de sedução, das regras do que temos que fazer para conquistar alguém. Acho que abrir um outro canal de entendimento da música é interessante. Quando eu completo com a letra ‘porque eu sou um homem mulher/você precisa entender’, fica uma coisa duvidosa: Quem será que está falando aí? É um comportamento masculino, mas é uma música – na minha cabeça – sobre traição, e tem mulheres que traem. Acho que a gente não pode chapar tudo como se fosse uma verdade absoluta, ao mesmo tempo que não dá pra relativizar milênios de um comportamento masculino abusivo que é socialmente aceito dentro de um relacionamento”.

Ela admite que sua letra é cheia de ironia, em um nível que ela mesma classifica como “agressivo”. Essa característica, porém, não torna a música violenta em nenhuma forma. Pelo contrário, é isso o que ela enfrenta. “Peguei um trecho da letra, em que entendo que ele está falando até de uma debilidade, tipo ‘eu errei’, só que eu trouxe pro cinismo. É esse o tom irônico que eu quis para a música. Porque existe aquela desculpa de ‘ah, eu sou um homem, eu tenho meus instintos’, sendo que a mulher também tem os seus. E como isso é julgado pela sociedade? Ele dá só uma escapadinha, e ela é uma piranha”.

“Entendo que estou falando também de um recorte de relacionamento heteronormativo, sei que hoje há outras mil nuances”, comenta ela, “mas quando a gente pensa em brincar um pouco com os gêneros e não se fixar tanto no ‘homem malvado que maltrata a mulher’, mas traz outras nuances, a gente pode aplicar esse tipo de comportamento em todos os gêneros e todos os tipos de relacionamento. Acho que isso é o que mais importa. No fim, o cerne da questão é a nossa honestidade, a gente ter respeito com as pessoas dentro dos relacionamentos e os acordos que existem com transparência”.

(Para ouvir Papisa falando mais sobre relacionamentos, ouça sua participação no podcast Pós-Jovem abaixo).

Curta mais de Papisa e de Tame Impala no Música Pavê

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