Entre o Passado e o Futuro de Lucas Vasconcellos

foto por eveline maria

Quando Lucas Vasconcellos lançou seu primeiro álbum solo, Falo de Coração, escrevi que “o que mais fica da audição não é o coração, mas o cérebro. São aquelas músicas muito pensadinhas, em que nenhum detalhe está ali acidentalmente. Seja um timbre, uma variação na estrutura ou uma mudança de tom, sutil ou não, tudo tem seu lugar certeiro na faixa”. Seis anos e três lançamentos depois (um álbum, um disco ao vivo e uma trilha experimental), nos quais sensibilidades e racionalidades puderam ser trabalhadas em diversas direções, sigo com a mesma impressão, embora identifique cada vez mais uma força motriz emocional em sua obra.

Seu mais recente single, Abissal, é mais uma prova desse parágrafo inteiro. Falando ao Música Pavê, Lucas conta que ela é uma música que surgiu de um processo diferente, a partir de uma sessão de improviso no estúdio. “Gosto de fazer isso quando preciso de material para novas músicas”, comenta ele, “quando estou em uma fase em que quero trazer um artista para compor comigo, isso é uma boa estratégia: deixar o gravador rolando. Às vezes, dá sorte. Como dessa vez, em que quatro minutos soavam muito musicais, tinham muitas partes já definidas. Eu não montei nada dessa música, não tirei nada do lugar. Ela é só um fragmento dos 40 minutos iniciais”. Foi só depois desse processo que a letra foi escrita, ao longo de um fim de semana com Paula Gusmão.

Observar exemplos assim reforça a impressão de que a carreira de Lucas é montada em cima de decisões estéticas e formais que apresentem algum desafio, ou qualquer tipo de novidade, para ele cantar aquilo que sente. Foi assim nos primeiros álbuns, e também ao lado de Leticia Novaes (Letrux) no Letuce e no coletivo multimídia Binário. Como ele explica, esta nova fase de sua carreira está sendo pautada por estar morando em uma área rural de Petrópolis (RJ, onde nasceu e morou até os 18 anos). “Componho, trabalho e moro sozinho”, conta o artista, “quando o trabalho vai pra rua, sinto a necessidade de adubá-lo com pessoas novas”. Por isso, ele montou uma banda com músicos da cidade, com quem gravou singles que serão lançados nos próximos meses.

“Estes novos singles vêm cada vez mais deslocados dessa parte experimental mais forte”, conta ele, “acho que Abissal foi bem essa placentazinha entre meu útero mais poderoso do mundo experimental e esse bebê que está vindo com outra identidade”. O “bebê”, no caso, é seu novo álbum, que já está quase todo pronto e deve ser lançado no próximo semestre, com uma atmosfera bastante diferente das músicas feitas com a banda. Aliás, sua experiência com Legião Urbana, com quem excursiona como guitarrista, lhe deu uma compreensão maior do quanto pode ser dito em um formato mais direto e menos experimental de canção.

Lucas descreve a nova obra como “uma volta ao Falo de Coração, ao Letuce, às baladas do Binário – mais românticas, mais sensíveis no sentido da exposição pessoal. E ele é completamente envernizado pela minha história de estar morando meio na roça. Eu abracei o meu violão de novo, em uma levada mais parecida com o centro do Brasil e da música country dos anos 1970. Não no sentido mais específico das referências, mas na aura de paz, de não deformação sonora, muito menos conflito”.

Adotar Cachorros é puro conflito. É minha parte destruidora, lidando com instrumentos caóticos, aprendendo a lidar com samples. Hoje, minha vida está completamente diferente, estou muito mais bem resolvido até emocionalmente, minha raiva não está mais nesse lugar. Adotar é sobre a raiva, as faltas de oportunidade, as estranhas ditaduras culturais no RJ. É minha insatisfação a essas cúpulas criativas que pouco absorvem alguém que vem de Petrópolis”.

Uma leitura sobre essas novas escolhas estarem ligadas ao amadurecimento criativo de Lucas Vasconcellos é não apenas válida, mas precisa. “Cada vez mais, estou tendo a autoconsciência do artista que me tornei”, conta ele, “quando você é muito novo, você não sabe se você vai dar certo. Mas, passados 25 anos, você já tem uma trajetória – qualquer que seja -, já consegue ver o panorama disso. Eu entendi muitas coisas que dão certo na minha mente e que fazem minha música funcionar por dentro, e a minha história com os instrumentos. Eu entendi que isso é um prazer meio pessoal. O jogo com as coisas eletrônicas e a experimentação é algo que eu, dentro de mim, preciso, mas o público não acessa tanto. O meu público gosta de canções. As pessoas vão ao meu repertório mil vezes mais por terem ouvido uma música de amor do que para compreender a música experimental”.

“Escuto música desde antes de eu nascer, porque minha mãe é professora de piano. Eu não dou as mãos para a música, eu sou a música por dentro. Não tô falando isso de maneira pretensiosa nem nada, é porque eu não consigo me livrar disso, sabe? Então, cada vez que eu busco um lugar novo, é para eu continuar vivo”.

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