DOSSEL faz “cada coisa com o maior carinho”
“Calma” e “cuidado” foram as palavras mais repetidas durante a conversa do Musica Pavê com Roberto Barrucho, sobre Ouvindo Vozes, o álbum de estreia de seu projeto DOSSEL, sobre sua trajetória e outras coisas mais.
Roberto é articulador cultural e figura de grande presença no cenário carioca. A experiência com diversas situações dentro da cadeia produtiva da música, desde compositor a produtor executivo e de shows, proporcionou ao artista uma visão abrangente sobre o funcionamento da cena.
“Toda minha trajetória antes de DOSSEL foi me trazendo bagagem. Lá atrás, quando tinha minhas bandinhas, me jogava de forma natural, sem pensar em carreira e mercado. Ali fui percebendo que a coisa era muito mais ampla e complexa, que precisava de produtor, que não dava para fazer as coisas sozinho. Percebi também que podia trabalhar com música sem ser artista e entrei na faculdade de produção fonográfica, que envolve a parte técnica, executiva, tudo que abrange o meio. Isso me deu um panorama de mercado”
O entendimento sobre o funcionamento da cena faz Roberto olhar para essa nova etapa da carreira, tradicionalmente chamada de “solo”, a partir de uma perspectiva coletiva, o que é traduzido no novo disco especialmente através das participações dos intérpretes Lucas Vasconcellos, Fernanda Vianna, Maria Bonita, Carolina Turboli e Lizandra da Silva. “Eu não sou DOSSEL”, diz Roberto. “DOSSEL é um processo que eu guio”.
“Os movimentos precisam de alguém a frente, porque às vezes há muito potencial, a pessoa sabe fazer música, mas não está querendo pensar em assessoria de imprensa, divulgação, fechar show…. Erroneamente as pessoas se acham obrigadas a saber fazer tudo. Não é o certo, as pessoas vão internalizando um discurso que se repete, mas não é o ideal. Às vezes o próprio cara compõe, grava, masteriza… Está cuidando da música dele, mas tem todo o cenário”
O título do álbum é sugestivo nesse sentido. Em um primeiro momento, Ouvindo Vozes pode ser relacionado aos cantores parceiros, à valorização da presença e da palavra do outro no projeto e até mesmo ao que recebeu de influência durante toda sua múltipla trajetória. Roberto acrescenta a este sentido, o aprendizado da escuta das “vozes” interiores, da intuição.
“Tem um estigma em torno de ouvir vozes, que é a coisa da loucura. Quem vai dizer que a pessoa é louca ou sã? Esse nome veio num momento difícil, de precisar me reafirmar, me encontrar diante de uma vida adulta, num momento mais conturbado. Veio muito de ouvir essas vozes internas mesmo, ouvir o que eu estava precisando cuidar dentro de mim, o que eu devia fazer de escolhas, ao que eu me apegava. Minha mãe falava quando eu estava perdido: “ouve o coração”. Então vem muito daí. Durante a produção do disco muita coisa aconteceu. Passei a cuidar de mim de forma mais profunda, através de processos psicoterapêuticos e espirituais. Acho que é preciso se resolver para se abrir para o mundo, ter um pouco mais de certeza sobre o que você quer compartilhar, o que você quer falar. Quase uma luta consigo mesmo”
O autocuidado e a escuta ativa de si mesmo estiveram presentes em todas as etapas que culminaram em Ouvindo Vozes. Na escolha das músicas, segundo Roberto, houve atenção ao que fazia sentido juntar, e muita coisa ficou de fora. As participações foram convidadas por afinidade musical, estética e afetiva. A seleção dos timbres evidencia o gosto do artista pela ambiência, enquanto nos arranjos, os instrumentos são bem espaçados, valorizando os momentos de silêncio. O resultado é um disco que respira, soa acolhedor, detalhado e paciente. Soar assim, mesmo tendo atravessado momentos pessoais conturbados durante o período de produção do disco, tem a ver com “resinificar as coisas, se reorganizar a partir de uma leitura de si”, como Roberto aponta.
“Cada coisa foi feita com o maior carinho. Não peguei uma banda, ensaiei, botei no estúdio e gravei de uma vez. Cada música eu fui trabalhando de forma separada, cada uma tem uma história. Rolam muitas dúvidas, mas aos poucos você vai acreditando, avançando. Num momento anterior, vários amigos falavam: ‘pô, você tem um disco já. Só botar uma capa’. Para mim aquilo ali não era para ser ainda, mas tinha aquela cobrança. Valeu a pena ter calma. Aproveitei ao máximo o respiro natural que as coisas precisam para amadurecer. A gente, antes de tudo, que dá valor ao trabalho. É complicado esperar que o outro reconheça que seu trabalho é grande, se você trata sua arte de forma pequena. É importante procurar fazer cada passo do melhor jeito, para colher também da melhor forma. Não procurei atalhos”
Como boa parte dos artistas independentes, Roberto não se dedica exclusivamente à vida de artista. Atualmente, trabalha em rádios públicas do Estado do Rio. A produção de Ouvindo Vozes, no que permitiu a conciliação com o trabalho e a vida pessoal, durou aproximadamente dois anos.
“Nesse período nem sempre pude ter uma imersão tão grande. Me mudei de casa, casei de novo. Muita coisa acontece no período do disco, na vida íntima, que acaba refletindo. Foi muito aprendizado. Esse tempo longo é legal porque a coisa vai amadurecendo, você vai tendo um olhar mais amplo da coisa. Foi até rápido… conheço tanto artista, tanta gente boa que não conseguiu parar e fazer seu próprio trabalho, ou fazer shows para levantar uma grana… Tenho a sorte de ter outro emprego que me dá uma base”
Afim de lidar com um contexto de muitas dificuldades e pressão, é normal que os artistas independentes pensem continuamente no próximo passo de suas carreiras, o que pode gerar constante ansiedade e insatisfação. Roberto aponta para importância de vivenciar todas as etapas do processo artístico, de reconhecer e comemorar os objetivos alcançados, como parte do cuidado consigo e com a arte.
“É o momento de celebrar também. Vai tudo se atropelando, você está sempre pensando no após. O CD foi um passo significativo, grande para mim. As pessoas que participaram se sentem felizes de terem contribuído, então estão celebrando esse momento comigo também. Isso é importante para continuar, para ter um show legal, com a energia boa. Num momento antes do lançamento eu já estava cansado, pensando num segundo disco. Mas quando a coisa foi se aproximando, eu pensei: ‘não, vamos viver isso direito’. Deu tanto trabalho, foi tanta energia, é tão difícil, tanta barreira… Tem de haver atenção para a coisa não ficar perecível com o tempo”
DOSSEL lança Ouvindo Vozes no Rio
30 de agosto, às 19h30
Sesc Engenho de Dentro (Av. Amaro Cavalcanti, 1661)
Ingressos de R$2,50 (credenciado Sesc) a R$10 (inteira na bilheteria)
Lista amiga (ingressos a R$5): [email protected]
Evento: Facebook