Zéfiro: “Nossa meta é ser um furacão brando”

foto por heloísa abreu

Terra Fechada, primeiro álbum da banda Zéfiro, expande e amadurece o som do EP Andes, lançado em 2016. Pedro Menezes, compositor, vocalista, guitarrista e produtor, conversou com o Musica Pavê sobre o recém-lançado disco.

“Sinto esse CD como uma evolução: é mais certeiro sobre como a gente quer ser e soar. Desenvolvemos melhor nossa identidade e nos dedicamos muito aos arranjos. Gastamos muito tempo para soar como estamos soando”

A banda encontrou em referências como Clube da Esquina e Radiohead pontos de interseção, para fazer Terra Fechada soar melancólico, sonhador e imponente. Pedro identifica o som da banda como sendo “de nicho”, com potencial de público relativamente restrito. Ainda assim, aponta que a resposta do público com relação ao álbum tem sido sincera, forte e muito satisfatória.

“Nas mídias sociais, disseram que o som era calmo e forte ao mesmo tempo, mas com outras palavras mais interessantes. Acho que essa é nossa meta, ser um furacão brando (risos). O nome Zéfiro significa ar denso”

Além das referências artísticas, o som da Zéfiro também reflete de forma interessante a relação dos membros do grupo com espaço que ocupam, especialmente Brasília, onde residem.

“Brasília tem essa coisa do estático, do vazio, da imponência, do monumental e do frio. Tem tudo a ver com nosso som. As músicas da banda têm esse pano de fundo do sujeito com o espaço dele. Essa faceta sempre me chamou muito a atenção. Me interesso por esses artistas, escritores, cantores e cantoras que pensam os espaços, a maneira como elas se relacionam com os espaços e como os relacionamentos delas se relacionam com os espaços”

Do interesse pela relação do indivíduo com o meio, surgem versos em Terra Fechada que caminham com fluidez entre o intimismo e o olhar descritivo sobre o ambiente externo, mostrando um sujeito atento ao redor e às próprias inquietações.

“Ultimamente, passei a pensar mais sobre como o ser humano explora o mundo de maneira insustentável. Antropoceno fala muito disso, de como usamos a terra e estamos a tão pouco tempo neste planeta, mas deixamos uma marca destrutiva. Somos um grãozinho de areia na história da terra em termos de tempo, mas um terremoto em termos de impacto. Fomos bastante inspirados por isso. Eu estava lendo um livro do Mia Couto, cuja história se passa em Moçambique. O livro fala de um cara que vai pra cidade e volta para a terra dele, o pai morre ele não consegue enterrar, pois a terra estava fechada. Daí vem o título do álbum. A terra eventualmente se fecha pra gente se a gente não pensa nessa relação de um jeito diferente”

O gosto do compositor pela literatura, expresso através da escolha do título do álbum, também se reflete naturalmente nos versos das canções. As composições de Terra Fechada foram feitas durante um período de leitura vasta do compositor. As letras, segundo ele, é que criam a música.

“Frases e palavras tem ritmo, acentuação, uma musicalidade, uma melodia impregnada. Coisas que eu começo pelo instrumento para depois encaixar uma letra ou melodia, acho que ficam menos naturais, menos honestas. É mais fácil eu cair nos atalhos que conheço dos instrumentos, de forma muito referencial”

Além do conteúdo lírico, Pedro também traduz sua perplexidade com relação a questões globais e a grandiosidade das coisas através da interpretação, agora mais segura e bem desenvolvida que em Andes.

“Sinto o sujeito deste novo disco um pouco mais ativo, menos passivo frente a realidade. Ainda frágil, honesto e vulnerável, mas mais ativo”

Mesmo que o arrebatamento com a realidade seja uma constante lírica, as composições de Terra Fechada apresentam um tom mais sensível e alerta do que crítico, político. O compositor aponta para isto como resultado de uma consciência pessoal sobre limites discursivos, buscando conciliar nas composições as questões micro, pessoais, com as macro, sem se apropriar de causas.

“Há o nosso desenvolvimento pessoal, nossos problemas de meninos privilegiados, e há os problemas mais sérios. A primeira música que lançamos, Latifúndio, se utiliza de uma metáfora como pano de fundo para uma música romântica. Como o nome é muito carregado, muita gente achou que fosse uma música política, mas eu não me coloco em condição de ser um par de uma pessoa que luta para ter um pedaço de terra para sobrevivência. Elas mesmas já estão dizendo coisas incríveis que estão chegando mais alto do que jamais conseguiríamos. O que eu escrevo é simplesmente o que me vem, o que me inspira colocar e falar”

O conteúdo lírico distópico de Terra Fechada parece refletir em certa medida questões muito atuais. Ainda assim, Pedro lembra que as composições e a produção do álbum traduzem um período longo, que começa em meados de 2016.

“Me surpreende o momento em que estamos. Algumas músicas foram feitas antes de estarmos onde estamos agora, em termos de cenário político, ainda que pareçam premonitórias. Tem um cara com quem fiz um curso de produção que diz que todo o CD já nasce velho. Para as pessoas que escutam, beleza, mas pra mim não necessariamente corresponde ao que estou vivendo hoje, a minha musicalidade hoje. Já estou ansioso para pegar as próximas músicas e ver no que vai dar”

Ainda sobre o momento político atual, Pedro não vê uma explicação meramente racional para ser artista independente nesse contexto.

“Confesso que sempre achei uma coisa meio ‘artistona’ demais, mas eu tenho pensado nisso… por que nos dedicamos tanto à música independente, a fazer um disco do jeito que fizemos? Acho que ultrapassa uma coisa de uma mera escolha. Vem tão forte a vontade de passar uma mensagem e alcançar pessoas da forma como outros artistas tocaram a gente um dia. Se a gente conseguir fazer um pouco disso será maravilhoso”

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