Entrevista: Chico Bernardes
“Eu mostrava minhas músicas só para os amigos próximos, então é uma coisa nova, e eu tô achando muito legal” – Chico Bernardes fala com carinho sobre a experiência de gravar e lançar seu primeiro e homônimo álbum, lançado recentemente pelo mesmo selo (Risco) que nos deu ao mundo os discos de seu irmão Tim e de sua banda, O Terno.
Mesmo compartilhando uma ou outra referência, não é difícil notar uma identidade muito própria ao longo das dez faixas de Chico Bernardes, que comentam reflexões e contam histórias sob pontos de vista bastante pessoais que ele viveu nos últimos anos da adolescência – como ele explicou ao Música Pavê.
No domingo, 30 de junho, Chico Bernardes faz show de estreia do álbum em São Paulo, no Itaú Cultural (às 19h, com entrada gratuita).
Música Pavê: Senti um lance bastante “cancioneiro” no álbum, bastante de alguém que passou pelo processo de esculpir essas canções de uma forma artesanal, afetuosa – acho perigoso dizer “experimental” pra não dar ambiguidade, mas é bem isso. Me conta um pouco como foi trabalhar essas músicas?
Chico Bernardes: Acho que realmente dá pra dizer que foram canções bem artesanais, no sentido de que, ali em torno de 2015 e 2016, eu ainda estava aprendendo a tocar e já comecei a compor. Foi um processo que veio meio junto. Eu não tinha uma experiência muito teórica em música e as composições foram saindo – Vago e Distante foram saindo de um momento em que eu estava aprendendo a tocar, foi uma coisa muito espontânea, não tinha intenção de faz música quando eu escrevi, foram feitas a partir de sentimentos muito verdadeiros. Nas outras também, sentei e esculpi as coisas a partir do que eu realmente vivi. E eu fiz isso pra mim, foi uma coisa muito pessoal que eu não necessariamente estava pensando em mostrar pro mundo. Só agora que eu estou entendendo o que isso significa.
MP: Como foi encontrar essa estética de voz e violão em primeiro plano, mas com um som mais denso e mais rico em timbres em algumas faixas – à la Joni Mitchell e Nick Drake?
Chico: Quando eu estava aprendendo, “desbravando” o violão, eu mexia muito nas afinações. Meu irmão me mostrou muita coisa, como Fleet Foxes e Grizzly Bear, que eram músicos que mudavam muito a afinação do violão. E como eu não tocava muito na afinação normal, eu gostava de experimentar afinações diferentes. Nick Drake e Joni Mitchell também faziam isso. Eu fui gostar dele um pouco depois, ouvi mais no ano passado, já ela eu gostei logo de cara. E o que é rico nesse tipo de processo é criar uma música pequenininha ali, só uma pessoa e um violão, que já seja capaz de transmitir o sentimento de uma maneira não só intimista, mas muito verdadeira também.
MP: Me chama atenção letras que falam sobre ter medo de sentir e medo de se apaixonar, penso no grau de exposição que é fazer um disco e colocar esses versos no mundo. Como você experimenta isso de se abrir pra mais gente, de deixar os outros verem (e sentirem) o que você tá pensando?
Chico: Acho que, por mais que seja temas muito pessoais, é interessante expor isso pras pessoas e ver como elas reagem, porque tem muita gente que não consegue falar sobre isso. São coisas muito pessoais minhas que abri para o mundo, em certo momento me deu certo medo de expor, mas ao mesmo tempo é muito verdadeiro, não senti tanto problema em mostrar que a gente sente medo, que a gente é humano, mas que esse medo também movimenta muita coisa e a gente aprende muito com ele, é importante observar o que a gente faz ou deixa de fazer por causa desse medo.
MP: Outra coisa que percebi foi como o disco parece ter surgido bastante de um lugar de autorreflexão, de olhar pro mundo e pra si mesmo e concluir coisas. Ao seu ver, essas músicas são parte de processos de compreensão das coisas ou são resultado desses processos?
Chico: Acho que um pouco dos dois. O Espelho e Novo Momento falam mais de me encontrar, de questões pessoais muito ligadas a mudanças, e acho que elas são resultados de coisas que eu vivi, mas são partes de coisas que ainda não concluí, que a gente carrega meio eternamente, imagino. A gente vai descobrindo mais a partir desses processos e eles fazem com que a gente escreva mais músicas. Gravei o disco em agosto do ano passado e, nesse meio período, já escrevi muita música nova também. Então, ao mesmo tempo que esse disco tá novo pro mundo, pra mim ele já é uma coisa antiga, que vem ali de 2015 e 2016, e já tem novas coisas acontecendo. A partir dele, a nova experiência que eu vou ter é justamente tocar pras pessoas, não as composições em si – elas já me contaram o que tinham que me contar. Mas, quando acontece alguma coisa parecida com algo que está escrito ali, mas agora em outro contexto, eu consigo me identificar de novo com o que escrevi, só que de maneiras diferentes. É muito interessante.
MP: Durante a produção do disco, o processo de gravá-las já transformou também seus significados para você?
Chico: Acredito que, enquanto eu estava gravando, eu estava muito dentro da coisa, muito focado em gravar uma bateria, um baixo, um coro, não exatamente analisando o conjunto da obra que, por ter sido uma coisa muito fragmentada que eu fui fazendo muito aos pouquinhos, não conseguia ter ideia do todo. Depois de um tempinho, quando eu já estava ouvindo o disco pronto em casa, ele ganhou outro significado, pude observá-lo como obra – em um primeiro momento como obra musical, depois como ideia de capa, depois de atrelar a música a uma identidade visual e foi ganhando um outro contexto também. Acho que os significados que essas músicas têm pra mim hoje ainda são os mesmos, mas agora tem esse fonograma, esse disco, que é como se fosse uma fotografia minha. Consegui usar a música para registrar aquele momento da minha vida em que eu estava saindo do colégio e entrando na faculdade, assumindo a música como profissão. Acho que isso é o mais legal da música, ser um registro de mim, por isso optei pelo meu nome no disco, como se ele fosse a primeira fotografia minha em forma de áudio. Cada letra tem um significado específico pra mim, mas, em um panorama geral, esse disco mostra como eu era entre os 17 e os 20 anos e, daqui um tempo, quando gravar outro disco, vou falar “olha só o que mudou”.
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