O Terno: Entrevista + Faixa a Faixa

“Eu fico impressionado como 66 ainda me representa, parece que eu comecei ali uma teoria que eu desenvolvo até hoje”, contou Tim Bernardes ao Música Pavê por telefone, ao final de uma conversa sobre <atrás/além>, quarto disco que o cantor e compositor lança ao lado de sua banda O Terno. “Eu quero fazer o que eu quero, mantendo as referências que eu quiser e ainda sendo pop”, continua ele, explicando também muito do que ouvimos na nova obra.

Em suas doze músicas, Tim canta sobre o passar do tempo em uma sonoridade que ruma a outras direções do que o trio apresentou até agora, sob influência do que ele trabalhou – e recebeu em troca – por conta de seu Recomeçar (2017). Em paralelo à conversa com ele, os pavezeiros, antes de ouvirem o que ele tinha a dizer sobre o disco, comentaram os vários aspectos da obra em um faixa a faixa.

Música Pavê: Ao vermos o título <atrás/além>, é fácil fazer uma leitura da obra ser sobre o passar do tempo, ou sobre o que está entre o que já foi (“atrás”) e o que virá (“além”), ou seja, o hoje. No entanto, ao ouvirmos o disco, há tantos verbos no pretérito que fica a impressão dele ser mais sobre o “atrás” mesmo. Como você vê isso no álbum?

Tim Bernardes, O Terno: Ele aborda o tempo como quem aborda uma conclusão de ciclo. Então, de uma certa forma, fala sim sobre o passado de uma forma nostálgica. É a sensação de ter me formado, de ter concluído uma etapa, é nossa colação de grau (risos), um episódio conclusivo. E enxerga o que vem pela frente, no sentido de chegar à vida adulta, de sentir que uma coisa que começou na escola dez anos atrás com O Terno passou por um degrau atrás do outro e chegou agora a um andar que eu ainda não conheço. O “além” é o mistério, a vontade, a esperança, ele tá mais no clima do que nas palavras. Ele é tão grande como o “atrás” no disco. É uma reflexão bem ampla, que não busca ser nem triste, nem alegre, é olhar para as contradições e os contrastes dessa fase da vida.

MP: É evidente que o álbum chega com esses conceitos muito bem amarrados. Mas qual é o “ovo” e qual é a “galinha” dessa história, você compôs as músicas pensando em uma só ideia ou reuniu composições que faziam sentido com essa narrativa?

Tim: Eu compus as músicas juntas pela primeira vez na minha carreira, em uma só leva, aí comecei a reparar que uma ou duas já eram sobre esses mesmos assuntos e fui entendendo que era sobre isso. Aí achei o nome e a capa, as três sílabas, as três bolas, o “atrás” e o “além”. E fazia sentido esse disco ser todo sobre esse salto de emancipação, o salto de um fim de relacionamento amoroso, o fim da gente ser uma “banda da escola”, da gente ser jovenzinho e agora ser – não sei como se chama – jovenzão, sei lá, e sentir que isso era uma questão central na minha vida. O Recomeçar me mostrou que muita gente pode estar sentindo o que eu sinto também. Aprendi a me considerar uma antena para essas coisas, buscando entender o que é essa geração, o que é o nosso tempo, o que é ser adulto em 2019 ao contrário de em outras épocas, quais as consequências de uma geração tão focada no superficial, na imagem. Foi muito legal construir o disco baseado nisso. Eu tinha uma folha só para o conceito, além das músicas, nunca tinha feito isso. Eu escrevi o disco todo em folha de sulfite, não em um caderno, porque ele é sobre estar solto – eu queria me soltar e ver o que eu poderia ser. Foi legal, porque pude ir construindo aos poucos, pensava que podia ter uma música sobre isso, outra sobre aquilo. Foi um disco mais arquitetado mesmo.

MP: Penso que chegar a um quarto disco da banda, ou quinto disco autoral seu, e experimentar processos novos requer uma certa intenção, alguma boa vontade, porque você já sabe o que faz bem. Como é para você fazer algo diferente do que já fez?

Tim: Eu me vejo entre o medo e a vontade, e acho que o disco fala disso. Eu sinto que a gente dá um salto em relação a isso. Todo disco dá um medinho, a gente tá falando algo que a gente não fez antes desse jeito, e talvez ninguém tenha feito, no sentido que a gente tá fazendo do nosso jeito, é um quarto disco d’O Terno. E é bom estar com os amigos e decidir fazer as coisas com o que a gente acredita. O que esperam da gente pode dar um medo, mas sempre foi esse barato, e a gente não conseguiria não fazer isso. Se a gente acredita numa brisa, a gente sabe que é o que a gente tem que fazer.

MP: Eu vejo como uma nova geração, o pessoal que está na idade de faculdade hoje, se identifica em um grau muito alto com o que O Terno faz. Foi algo que a minha geração viveu com Los Hermanos, de entender todas as músicas em primeira pessoa.

Tim: Sim, vira a “trilha sonora da vida da pessoa” (risos).

MP: Exatamente! Eu vi isso acontecer com mais intensidade depois de Melhor do que Parece e também em Recomeçar, e as primeiras reações que vi a <atrás/além> seguiram essa tendência. Como você observa essa dinâmica?

Tim: Acho muito legal que as pessoas se identifiquem de verdade com as músicas, porque eu também me identifico bastante com muita coisa de artistas que eu ouço. É uma das coisas que eu mais gosto em música. E foi mesmo no Melhor do que Parece que a gente começou a sentir isso, e foi muito forte no Recomeçar. Esse [novo] disco eu compus já pensando que não era só sobre a minha vida, com a noção de estar conversando com uma geração que tem um nicho para quem eu sou um “porta voz”. E eu sempre tive isso nas letras, de tentar entender o que é o nosso tempo, o que são os anos 10, quais são as nossas marcas. Será que a gente é raso? Por que então a gente se identifica com um disco de bad trip como Recomeçar? Então, eu tô escrevendo com essa responsabilidade, mas não com uma expectativa. Tô me assumindo, me apropriando desse papel, dessa posição de poder estar falando com muita gente. Eu gosto muito, por exemplo, quando Fleet Foxes – que é uma banda que eu amo – fala uma coisa e eu me identifico muito, daí, quando sai um disco novo, eu quero saber “e aí, o que aconteceu com a sua vida agora?” (risos). Eu também sinto as pessoas assim com a gente.

MP: Alguns versos me chamaram atenção no disco, quando você fala de querer ficar velho ou quando trata a vida em um passado que parece até distante. Me faz lembrar de quando ouço de pessoas mais novas de que esta geração “envelheceu muito rápido”. Como você lida com essa ideia?

Tim: Eu já ouvi esse papo, de uma geração de novos velhos que não tá se lançando no mundo, que quer ficar em casa vendo Netflix, mas também já ouvi que é uma geração que não quer crescer, que demora para virar adulto. Eu não pegaria nem uma máxima, nem outra. Eu acho que a gente tá em uma fase em que você acabou de viver as coisas pela primeira vez e você acaba ficando menos ansioso sobre a vida, mas ainda tem seus anseios e não quer perder isso. Eu penso “é aqui que o pessoal se acomoda? Então não quero isso”, sabe?

MP: E como será no palco combinar as faixas mais antigas com as do novo álbum?

Tim: A gente quer que esse show seja do <atrás/além>, mas a gente não quer deixar de tocar coisas importantes da carreira. Elas vão aparecer com outra roupagem, como um respiro para a intensidade que esse disco tem. É pra ser um show de curtir as músicas e tudo o mais que ele tem. O clima é o <atrás/além>, mas a gente tá construindo um jeito de mostrarmos as músicas mais velhas como se fossem tocadas por esse novo disco.

Faixa a Faixa

Tudo o que Eu Não Fiz

Como é difícil se sentir exatamente quem se é quando o que somos se transforma o tempo todo. A abertura do disco versa em tom de desabafo algumas questões internas de um eu-lírico quase universal, mais precisamente para a faixa-etária que sabemos que mais ouve O Terno, ou que mais escuta em “primeira pessoa”. É aquela música que alguns vão cantar alto e chorando no show lembrando, entre tantas coisas, de como esse álbum acompanha de perto seus sentimentos. (André Felipe de Medeiros)

Pegando Leve

“Eu quero descansar, mas também quero sair/ Quero trabalhar, mas também quero me divertir” – Pegando Leve pode ser o hino daqueles que estão mais perto dos 30 do que dos 20. Aqueles que sabem as angústias de querer jogar tudo pro alto, mas, ao mesmo tempo, querer amadurecer, trabalhar e se cuidar. A canção fica entre melodias rápidas e lentas, refletindo a oscilação de emoções que temos nesse período da vida. Tranquiliza saber que existem mais pessoas no mesmo barco, querendo cantar essas mesmas palavras. (Carolina Reis)

Eu Vou

Um basta para os sentimentos e relacionamentos ruins que carregamos em nossos corações. Com a voz forte e confiante, Tim canta que vai conseguir deixar essas mágoas e incertezas para trás.  Uma voz confiante, mas incerta em alguns momentos. É maravilhoso ver uma canção contar uma história inteira em poucos minutos. Nós enxergamos o que os músicos querem passar e entendemos esse sentimento de querer abandonar tudo que é tóxico. Eu Vou fala sobre deixar a tristeza, mas é bem melancólica, estabelecendo um mood bem específico ao abraçar o tema “amadurecimento” como outras canções no álbum. (Carolina Reis)

Atrás/Além

Tim Bernardes se mostra de novo um compositor e tanto, principalmente por criar uma música com a qual praticamente todos possam se relacionar, independente de sua geração: Atrás/Além nasce agora, mas já pode ser considerada atemporal. Questionar o que ficou para trás e os motivos que nos fazem ir além é uma situação que vire e mexe nos vêm à cabeça. É o que nos move. E Tim soube muito bem captar esta essência em uma canção delicada e que cresce nos momentos certos. (William Nunes)

Nada/Tudo

Trabalhar com duplas para marcar a complexidade do tempo não diz de momentos antagônicos, mas complementares. Nada é preto no branco, às vezes é vermelho, azul e laranja – tudo mesclado. Colocar o pé na vida tem dessas coisas, “hoje o nada vai dizer tudo o que pode ser” como um desafiar ao tempo e ao desconhecido. Presenças marcam os ciclos da vida, e, nessa canção, há uma lembrança afetiva de nomes e rostos que foram (ou são) parte da travessia d’O Terno. Uma doce lembrança dos desdobramentos de uma jovem vida adulta, onde não se está sozinho. (Letícia Miranda)

Para Sempre Será

A faixa tem o violão abafado como plano de fundo, e a melodia nos remete a uma familiar MPB. A letra se faz muito bonita ao dialogar questões importantes sobre o amor, e cumpre tal papel sem clichês, nos fazendo refletir. O conjunto da harmonia nos toca, e é emocionante se perceber nesta introspecção. (Lucas Gabriel Bosso)

Volta e Meia

O Terno faz a reflexão sobre as voltas e meias do amor. Dentre tantos caminhos, uma certeza aparenta aparecer: Quando se escuta uma canção de amor, logo pensamos ser conosco que canta o intérprete. Em um clima tranquilo, já não bastando todo o ganho em se ouvir esse som gostosinho, ainda somos agraciados pela participação do cantor norte americano Devendra Banhart e do japonês Shintaro Sakamoto. Que música, amigos.  (Rômulo Mendes)

Bielzinho/Bielzinho

Carismática desde o título, despretensiosamente bonita e candidatíssima a ser entoada com força nas apresentações da banda. Não deve se limitar muito aos fones de ouvidos, porque pede para ser cantada entre amigos. Se esses amigos forem alguns dos nomes mais importantes da cena, melhor ainda: Ana Frango Elétrico, Luiza Lian, Maria Beraldo, Maria Cau Levy e Tulipa Ruiz formam o coro luxuoso da faixa. As referências a Jorge Ben saltam aos ouvidos, mas também há ótimos acenos a Gilberto Gil, Novos Baianos, Mutantes e Zé Rodrix. E Bielzinho toca especialmente bonito aqui. (João Barreira)

O Bilhete

Novamente o tempo se faz presente e é protagonista da história desta música. Uma letra cantada como se fosse uma crônica, uma situação do cotidiano. E de fato é. Poderia ser muito bem a trilha sonora de um coração partido, mas ainda esperançoso no amor.  (William Nunes)

Profundo/Superficial

Tim Bernardes tem se firmado como um exímio compositor, um artista capaz de construir imagens refinadas a partir de recortes contemporâneos. A faixa explicita a superfície de uma geração que pode tudo, na qual a banalidade parece ocupar todo espaço; a sensação de angústia é reforçada pelo tom do piano e o rasgo do violino. Canção e melodia se complementam proporcionando um diálogo nada superficial sobre a dificuldade contemporânea de mergulhar no profundo.  (Letícia Miranda)

Passado/Futuro

“Mas tem vez que o que a gente chama de vontade, fica maior e pode chamar coragem”. A letra em si carrega tons políticos, e uma abordagem mais séria, enquanto a melodia se desenrola em uma sonoridade setentista, atemporal e clássica, algo presente no DNA da banda. (Lucas Gabriel Bosso)

E no Final

Não é de hoje que Tim Bernardes se debruça sobre dualidades: “inovar/cantar o que já foi”, “tudo errado/tudo certo”, “quem saiu/quem entrou”… <atrás/além>, essencialmente dual, é encerrado aqui por uma faixa que reforça e reúne incertezas, mas apresenta momentos de otimismo delicado. O vocal pouco intencionado faz as angústias brotarem naturalmente, trazendo autenticidade. A faixa é a que mais destaca as qualidades de Tim. O arranjo orquestrado é lindo, especialmente quando o caos e a sutileza flertam, (des)coordenados pela bateria. Os segundos de silêncio que fecham o disco soam mais como reticências do que como um ponto final. (João Barreira)

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