Álbuns 2016: Uma Trilogia Básica
Se você prestou atenção no especial sobre 2016 que o Música Pavê vem publicando – ou ainda se manteve os olhos e ouvidos bem abertos ao longo do ano – certamente percebeu que a época, por mais difícil que tenha sido para todo mundo (e não é exagero repetir essa frase) foi de grande valor para a música, tanto em qualidade, quanto em relevância. E de todos os excelentes discos lançados no período, três deles se destacaram por diversos fatores, inclusive por uma grande semelhança entre as obras.
A Seat at the Table (Solange), Here (Alicia Keys) e Lemonade (Beyoncé), em resumo, contam histórias bastante semelhantes sobre a condição da população afro-descendente nos Estados Unidos sob a perspectiva da mulher (que, por sua vez, foi também um sub-tema recorrente no ano). Todos eles trazem uma amargura utilizada também como fonte de força para encarar a vida em nossos tempos e livrá-la do sofrimento dessa população, algo que já passou da hora de deixar de ser comum.
Lemonade, o primeiro deles a sair (em abril), trouxe uma história em um ponto de vista bastante pessoal, da mulher traída pelo marido que vai atrás de alguém de “cabelo bom” (“Becky with the good hair”, em Sorry). A partir dessa situação, ela revisa sua identidade a partir também de seus ancestrais – algo revelado de forma bastante explícita em Formation, a primeira música apresentada do disco. Cinco meses depois, sua irmã Solange nos daria o álbum menos narrativo dos três, e talvez o mais metafórico, com o hit Don’t Touch My Hair (“não encoste em meu cabelo”) comunicando seu recado com a mesma elegância vista ao longo do disco sobre valorização das suas raízes.
Here veio por último e mistura pequenas histórias ambientadas na Nova York onde Alicia nasceu e cresceu e que sempre a inspirou, também em par com um dos temas que ela mais propagou no ano, o da autoestima (ela recusou-se a aparecer de maquiagem em qualquer programa de televisão ou ensaio de fotos para promover o álbum). Fala de problemas familiares e ambições pessoais de uma maneira quase universal, mesmo com as situações tão pertinentes ao cenário que apresenta.
Tanto esse quanto A Seat at the Table buscam uma sonoridade bastante enraizada na herança da chamada música negra norte-americana (R&B, Soul e afins) em um grande misto de nostalgia com aquilo que mais é contemporâneo (Work on It e Don’t You Wait sejam talvez os melhores exemplos dessa intersecção), enquanto Beyoncé optou por oferecer uma coletânea mais variada, do rock ao hip hop, passando pelo country e pelo pop – o que vem ao encontro de seu discurso de poder fazer o que quiser (e mostra que faz tudo isso muito bem).
Outro ponto que os três têm em comum é sua visualidade. Lemonade foi idealizado e lançado como um verdadeiro filme, com a bênção do grande Jonas Åkerlund, enquanto Here veio acompanhado de um curta (The Gospel) e Solange preferiu anunciar o disco através do lançamento simultâneo de dois videoclipes.
Cada um deles, entretanto, carrega uma personalidade muito forte e própria, o que é melhor ainda de observar do que ver apenas as muitas semelhanças entre os três trabalhos. E a constatação principal é a de que o que eles mais possuem em comum é a altíssima relevância de seu discurso em 2016, dando voz às mulheres negras e construindo narrativas de empoderamento com música da mais alta qualidade.
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