Entrevista: Radiolaria
Com críticas elogiosas, a banda mineira Radiolaria vem aos poucos sentindo o poder de ter lançado um disco contemplador. Com boas letras e harmonias, o álbum Vermelho conseguiu encontrar a afinação perfeita entre o popular e o experimental, o que tem lhe rendido muita atenção.
Produzido por Henrique Matheus e Thiago Corrêa, ambos da banda Transmissor, Vermelho eleva o pop além de sua superfície, ao mesmo tempo em que desafia ouvintes atentos a desvendar novas camadas sonoras a cada audição.
Baixe gratuitamente o álbum no site oficial da banda.
Música Pavê: Suas canções diferem uma das outras e isso mostra um lado criativo muito grande. Não há no trabalho de vocês aquela coisa batida, clichê ao compor. O que você pode citar de influências para Vermelho?
Radiolaria: Acho que o universo pelo qual passeiam as composições é vasto exatamente porque nossas influências também são muitas e diversas. Apesar de se poder observar uma estética mais voltada pro Rock, e alguns elementos “cancioneiros”, com a coisa da voz e violão dando início a muitas das composições, não nos prendemos a um estilo ou tema específico. Pelo fato de ser um trabalho independente, pudemos aproveitar a liberdade de criação tanto no momento de compor e depois arranjar as músicas, como no momento de entrar no estúdio e testar as possibilidades que essa fase da produção permite. Com relação às bandas que ouvimos muito, e que nos influenciam já há alguns anos, podemos citar como exemplo o rock britânico, com The Beatles como maior referência, além da música do Clube da Esquina, que ouvimos bastante e está presente no nosso dia-a-dia enquanto referência também.
MP: Há muita coisa boa surgindo de Minas Gerais, eu, por exemplo, já tive a honra de conversar com Graveola e o Lixo Polifônico, com César Lacerda e agora com vocês. O que há em Minas que difere de outras localidades?
Radiolaria: Realmente vivemos uma fase de produção bastante aguda e que aparenta estar ainda em expansão, com o surgimento de coisas novas (às vezes não exatamente novas, mas que só puderam se lançar recentemente pela questão da produção independente e tal), mas certamente muita coisa boa pinta na cena por aqui. Não sei bem ao certo dizer se há e qual seriam as maiores diferenças presentes na nossa produção local frente às outras localidades, pois conheço pouco como funcionam outros mercados independentes, e sua forma de produção, por não fazer parte deles de forma mais significativa (espero que por pouco tempo)(risos). Estamos cada vez mais focados em tocar mais vezes em SP, Rio, Porto Alegre e outras regiões que julgamos que possam curtir o que estamos fazendo. Mas sei que a produção aqui tem uma vastidão grande de estilos, com uma turma do rock, uma turma do indie, do folk, do samba, da MPB, do rap etc. Aparecem artistas de estilos variados quase semanalmente com lançamentos, seja de álbuns, clipes, ou mesmo singles. Mas me parece faltar um pouco mais de abertura de alguns produtores e mesmo de artistas daqui para as coisas novas que surgem e que não estejam exatamente na linha daquilo que produzem. Tenho a sensação que aqui a coisa ainda anda muito segmentada, não só nos estilos, mas na forma de tocar o mercado independente adiante.
MP: Por que tem surgido tanta coisa boa? E o que o cenário independente tem a ver com isso?
Radiolaria: Minas sempre foi celeiro de muitos bons compositores e, sei lá, talvez a geografia, o clima, as montanhas, talvez isso tudo inspire aqueles que têm sensibilidade musical a compor. Mas não sei se há um momento mercadológico melhor exatamente. Acho que acima de tudo é a vontade de se expressar artisticamente, mesmo na raça, sem muitos recursos, que move os compositores/bandas a continuarem a produção local. Claro que quando se tem uma leva expressiva sendo produzida contemporaneamente, um artista acaba influenciando outros que estão próximos a também se lançarem, comporem, enfim, a produzir o que quer que tenham para dizer artisticamente. Nesse sentido vejo uma melhora no mercado, bem como no interesse crescente que muitas casas de show têm demonstrado pela produção autoral em detrimento do cover, esse último que reinou aqui na capital nos últimos anos pra um público significativo. Mas ainda acho que a “cena” aqui poderia ser mais cabeça aberta e democrática, possibilitando a aparição daquilo que se faz por aqui, sem muito pré-julgamento de relevância. Acho que isso cabe ao público, até mesmo pelos diferentes perfis desse público que agora parece se interessar cada vez mais pelo autoral.
MP: Ontem, fui procurar para baixar um novo álbum de um cantor folk que gosto e, para minha infelicidade, não consegui achar. Ele tem 27 anos, quatro álbuns lançados e não é muito conhecido. Comprei o álbum na Play Store por R$ 15,00 e fiquei feliz da vida pelo trabalho adquirido e pela contribuição. Qual é a opção de vocês em colocar um álbum com download gratuito?
Radiolaria: Apesar de precisarmos gerar renda para manter a produção, e a venda de discos seria uma ferramenta pra isso, o que fizemos foi pesar qual seria o impacto/alcance financeiro e, acima de tudo, do ponto de vista da democratização do acesso às músicas, pra formação de público, tanto pela venda de discos/músicas, quanto por tornar livre e gratuito o acesso ao nosso primeiro trabalho. Decidimos pela segunda via, ao observar o comportamento contemporâneo do mercado independente e de sua relação com a Internet e, acima de tudo, no intuito de disseminar o material, pra que cada vez mais pessoas possam ouvir, quer seja pra curtirem o som ou não. Acho importante que o contato com o trabalho exista, seja pela via do show, seja pela circulação das músicas na Net. De toda forma, nosso álbum também é vendido em plataformas como iTunes, e o disco físico vendido nos shows e por pedidos via e-mail ([email protected]).
MP: Ao seu ver, o que há de diferença entre a comercialização da música aqui e lá fora?
Radiolaria: Me parece que a turma lá já tem esse contato com as transações de música online há um pouco mais de tempo e parece tratar isso com mais “naturalidade”. Mas, percebemos aqui que o público mais antenado, principalmente mais jovem e que consome mais a música autoral, também já está se habituando a correr atrás e peneirar os artistas que sejam de seu gosto, e acompanhando o trabalho, não só eventualmente comprando algum item do artista, mas acompanhando mesmo o trabalho, ativamente. De toda forma ainda vivemos um período meio que de transição, por mais que a rede já esteja consolidada como ferramenta de disseminação de informação. O mercado fonográfico vem tentando se reinventar, assim como os artistas, e tudo na medida em que se torna mais democrático o acesso aos conteúdos produzidos. E acho que isso é um movimento que ocorre aqui e lá fora: todo mundo pensando em como engajar mais seu público nesse mar de informação que nos cerca.
MP: Por que muitas bandas/cantores estão optando cada vez mais pelo download gratuito?
Radiolaria: Creio que seja nessa mesma esteira de tornar o trabalho acessível para criar seu público, mesmo sem ter as ferramentas de acesso aos mercados maiores por falta de grana, ou de espaço. O retorno pro artista independente me parece maior e mais interessante se as pessoas tem maior possibilidade e facilidade de conhecer o trabalho, do que teria esse mesmo artista com o retorno financeiro de venda de discos e dos downloads.
MP: Quais são as metas da Radiolaria?
Radiolaria: Quando fizemos nosso primeiro trabalho, tudo aconteceu de forma quase ingênua, com a mera vontade de gravar coisas nossas, depois de anos tocando juntos com bandas de covers e de versões de músicas que gostávamos. Assim, lá no início do processo, não pensávamos em carreira ou algo assim. Foi mais o lance de gravar e lançar um disco de composições próprias e pronto. Mas com o lançamento do disco e com a boa recepção, veio também a noção de que estávamos diante de um trabalho que poderíamos levar adiante, com mais planejamento, mas mantendo uma espécie de leniência criativa consciente no nosso processo de produção, para não perder a espontaneidade que trazemos no nosso som. Mas ao mesmo tempo começamos a ter uma visão um pouco mais madura e clara de carreira, de continuidade e de crescimento. Mas, no fundo, queremos mesmo é ter condições de continuar criando e registrando nosso trabalho no tempo, e se pudermos levar isso pras pessoas, que assim seja.
MP: E o que podemos esperar de um futuro próximo?
Radiolaria: Neste momento, estamos trabalhando em algumas músicas novas no intuito de lançar material inédito em breve, na forma de singles (pretendemos lançar em meados de Abril uma inédita) e, ao mesmo tempo, estamos nos planejando para já gravar o próximo disco ao longo deste ano (provavelmente no segundo semestre), pra lançá-lo no início do ano que vem. Fora a produção de material novo, estamos agitando nossa produção para conseguir shows aqui em BH e fora também. Já estamos agendados na Sensorial Discos em Sampa dia 12 de março e em breve devemos pintar no Rio também.
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