Não Sei Quem Mudou, Se Eu ou a Música

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Em quase quatro anos de Música Pavê, já deu pra sacar há um bom tempo que grande parte do nosso público se interessa (e vem pro site procurando) músicas bonitas – no geral, faixas que levem a alguma introspecção, que possibilitam uma identificação e, por essas coisas, que acabem emocionando o ouvinte. Não necessariamente que o leve às lágrimas, mas que possibilite aquele encontro reconfortante do som com a alma. Não por acaso, esse foi um dos motivos que me levaram a escrever sobre música. Ironicamente, quanto mais escrevo, menos tenho isso.

E isso ficou mais claro nesta semana quando fui ver os lançamentos de Rodrigo Amarante e Damien Rice, dois caras que eu ouvi demais durante a faculdade e que me ajudaram a moldar o que entendo como catarse na música popular contemporânea. Pra eles, a música parece vir quase como uma resposta construída a uma determinada situação. Tudo tem um conceito por trás e os instrumentos estão a favor da lírica, assim como a interpretação vocal é crucial para a mensagem. E é aí que eu vejo como tem sido raro escutar mais coisas assim.

Não me entenda mal, tive isso algumas boas e incríveis vezes nos últimos tempos com Keaton Henson, Cícero (principalmente esses dois), Baleia, Rubel, Wado, Oliver Wilde e James Blake, para citar alguns. Talvez, quando ouvia música não porque precisava escrever sobre, mas porque me fazia bem, eu ia direto nessas injeções de poesias sinceras, sobre eu e muita gente que conheço (Kings of Convenience, Beck, José González, Bowerbirds, Lauryn Hill, Sufjan Stevens, Arcade Fire e Interpol sempre me deram isso – e continuam me dando) enquanto hoje em dia, dentro do meu ofício, me vejo obrigado a escutar “de tudo” e a maioria das bandas faz um trabalho bem distante dessa honestidade poética que me atrai.

E isso acaba sendo também uma outra hipótese: Tem cada vez mais bandas no mundo e quase todas fazem música querendo ser uma banda disso ou daquilo, mais preocupadas com o público geral que vão atingir do que com o indivíduo que pode se relacionar com sua obra. É o que fica muito claro quando converso com os músicos e, principalmente, com quem também trabalha escrevendo sobre essa arte, que acaba tendo uma conotação mais de “entretenimento” do que de poesia – e eu ouço bastante coisa assim porque gosto (muito), seja Phoenix, Foster the People ou qualquer outra coisa bem dançante.

Mas e se o culpado por ter cada vez menos catarse com música seja não meu ofício ou a oferta de bandas de hoje, mas eu mesmo?

Sem entrar em detalhes (porque não convém), todas as áreas da minha vida sofreram várias mudanças bruscas nesses sete anos desde que saí da faculdade – época de madrugadas regadas a Los Hermanos e Nick Drake que me ajudaram a entender melhor muitas pessoas que conheço e, é claro, a mim mesmo. É possível que a pessoa que sou hoje, na fase em que me encontro, precise menos desse processo. Ou ainda, na fase em que me encontro, esse processo seja ainda mais desconfortável.

Tem música que é feita pra incomodar a sociedade, protestar alguma coisa etc, mas existe esse incômodo que algumas faixas trazem, algo bem íntimo e pessoal. Pode ser mais “conveniente” ficar mais nos sons divertidos ou “bacanas” mesmo, por isso tanta demanda disso hoje em dia, mais do que nunca. Mas o coração sente saudades do mergulho em queda livre. E agora?

(Sobre a foto que ilustra o texto: Sim, é um autorretrato; Sim, é inspirada por uma música e; Não, eu não faria uma coisa dessas hoje em dia)

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