Urucum de Minas

O grupo Urucum na Cara tem algo de especial. Além de carregar as nuances da música brasileira contemporânea como sua influencia, tem um caráter de execução e pesquisa na música erudita que o grupo traz para suas composições, elevando ainda mais a sua qualidade artística. Mas o mais importante, talvez o fator responsável pelo Urucum ser atualmente um grande representante musical mineiro, é que eles buscam na cultura popular de Minas Gerais as suas grandes influências. Assim sendo, abro um parênteses aqui mesmo.

Vejam o mais novo clipe do Urucum na Cara, da música Curiá.

O estado de Minas Gerais tem um reconhecido lugar guardado na memória da música brasileira. Na memória e no agora, na atual cena musical do Brasil, muitas das coisas que vem de lá marcam profundamente os corações de ouvintes apreciadores de boas canções. Milton Nascimento, Flávio Venturini, Lô Borges, Paulinho Pedra Azul são só alguns da leva incontável de talentos de lá. Expandindo a crítica, percebemos que o mineiro tem um “cadim” grande de generosidade e coração aberto que acaba se alastrando para todos os aspectos de sua cultura, entrando neste balaio a musical. Minas Gerais é especial. Percorrendo em memória as suas montanhas, os seus morros, suas matas, florestas, cerrado, história, passando pelo seu povo, sua mestiçagem, seu jeito de fazer comida, suas tradições no artesanato, nas histórias, no sotaque, no fumo de rolo, na cachaça, nas relações interpessoais, na dança, nos costumes… lembramos de coisas ternas que reconhecemos e nos é familiar. Pensando em Minas a memória traz tudo isto e mais, muito mais.

Eu, particularmente, lembro do falar manso, nas rodas de café e pão de queijo, nos novos e velhos amigos que fiz nas trilhas e caminhos de lá. Percorrendo as minhas lembranças lembro da Serra da Canastra, quando no Camping da Picareta, que fica na propriedade de seu Chico Chagas. Enquanto lá estive, eu ouvia seu Chico tocar sua sanfona à luz de velas enquanto, no meio da mesa, havia sempre uma peça de queijo da canastra – tradicionalíssimo – fatiado e oferecido a todos que lá estavam, eram muitos os visitantes. Quando acabava o queijo, a peça sempre era substituída por outra. Ainda na mesa um garrafão de cachaça, com pedaços de raízes lá dentro, que seu Chico dizia que os antigos tomavam como remédio. Nós tomávamos muito o tal remédio, pensando já curar qualquer mal que quisesse pensar aparecer. E a noite toda nós estávamos lá, ouvindo sua sanfona, comendo um queijinho e tomando cachaça. Noite adentro. Pensava sonhar, mas era vida!

Penso também em Ouro Preto, em São João Del Rey, Tiradentes e todo aquele patrimônio que os mineiros souberam conservar para o bem de nosso país e história. Vi tudo de perto. Em Ouro Preto, dormi num casarão de mais de 300 anos, lá embaixo, perto de suas fundações. Lembro que para chegar lá era um labirinto, de madrugada as madeiras rangiam. Eu tinha medo, mas achava fascinante.

Lembro do frio terrível do Parque Nacional do Alto Caparaó, onde no meio daquelas montanhas encontramos gente de Belo Horizonte, que de tão faladores, companheiros, amigos, gentis, mais pareciam amigos de longa data e não apenas pessoas que acabamos de conhecer. Nos ofereceram tudo que trouxeram para passar aqueles três dias no mato. Comemos queijos, pães, tomamos vinhos e conhaques franceses, comemos massas e molhos italianos, e só tínhamos nosso miojo de mochileiro para dar em troca. O que importava? No meio daquelas montanhas, conversar infinitamente ao redor do fogão à lenha, naquele frio de menos cinco graus, era o que nós queríamos. E conversamos, sendo que no outro dia subimos todos o Pico Da Bandeira, com seus 2.889,8 m, vimos Minas Gerais lá de cima. Memorável!

Lembro também do Parque Estadual de Conceição de Ibitipoca. Tão pequenino e tão cheio de atrações naturais. Cachoeiras, cavernas, rios, montanhas, trilhas, mirantes… e pensávamos como era tudo tão lindo, como era bom estar vivendo aquila natureza. À noite muita música na vila, ao sabor de pão de canela que só comemos e vimos, até hoje, lá. É típico de Conceição de Ibitipoca.

Lembranças muitas. Quais são as suas? Para mim, falar da cultura de Minas Gerais é lembrar como é bom ser brasileiro. Pensando em nosso país, vemos e sentimos muitas diferenças regionais. Qual o quê! Benditas diferenças, que nos unem, nos fazendo brasileiros. Diferenças que nunca nos separam. Hoje penso que Minas tem todo esse aroma e sabor. O grupo mineiro Urucum na Cara e sua música, da qual eu deveria propriamente descrever na terceira pessoa, penso, será muito mais sentido a partir de agora. Para mim, suas músicas representam estas memórias, representam uma parte particular do imaginário coletivo de Minas Gerais, representam a memória afetiva. Representam Minas Gerais e o Brasil.

Ouçam seu mais novo álbum, À Beira do Dia.

Um pouco mais sobre Urucum na Cara

Formado por Irene Bertachini (flauta e voz), Christiano de Souza (voz, percussão e escaleta), Leandro César (viola e violão), Paulo Fróis (bateria e percussão) e Thiago Ribeiro (baixo e voz), o grupo mineiro Urucum na Cara lançou em 2012 o seu primeiro disco autoral, À Beira do Dia. O álbum contém canções do show homônimo, último trabalho do grupo, como também de repertório mais antigo. Esse show foi concebido ao longo de 2009 e elaborado a partir de uma vivência da música do congado mineiro e suas possíveis intercessões com a música popular contemporânea produzida em Belo Horizonte.

Para nos contar sobre o grupo e suas influências, nós entrevistamos Irene Bertachini:

Música Pavê: A valorização da cultura popular tradicional, acredito, é um dos fortes conceitos do grupo. No entanto, as influências, letras e sonoridades claramente não se limitam a isto. Como você define, com as suas palavras e em relação à sua vivência com o grupo, o trabalho artístico que o Urucum da Cara se dedica a fazer atualmente?

Irene Bertachini: O Urucum é um projeto voltado pra exploração sonora da diversidade rítmica popular brasileira. Como é um trabalho coletivo, passa pelas vivências e experiências musicais de cada integrante. Um exemplo disso é que pretendemos introduzir, no novo trabalho do grupo, a marimba de porcelanato, que é um instrumento que o Leandro César, violonista do grupo, vem aprofundando em seus estudos para construção de novas marimbas. A percussão sempre foi algo que deu um fio condutor ao trabalho. O suingue é algo de muita importância na vida do Urucum. Com o tempo e com influência de outros elementos musicais – às vezes um pouco estrangeiros a essa linguagem – e da própria cena contemporânea de Belo Horizonte, fomos explorando novos caminhos. Novas parcerias surgiram com músicos da cena e a ciclicidade de novos integrantes deu um ar metamórfico ao grupo. O som começou a dialogar com notas mais dissonantes, com formas mais elaboradas, criativas e originais. Pode-se dizer que o fazer artístico do grupo está expresso em algumas canções deste primeiro disco, e que apontam o caminho para um segundo álbum, como: Maria, Clarear, Curiá e Erê.  Essas canções tem um carga poética muito forte, abordamos aspectos e dilemas cotidianos, urbanos e interioranos. Essas canções também refletem as nossas influências: Milton, Sérgio Pererê, Sergio Santos, Quebrapedra, Guinga, Gil, Caetano… digeridos de uma maneira única.

Música Pavê: Urucum na Cara lançou em 2012, dez anos após o início do grupo, seu primeiro CD, intitulado À Beira do Dia. Por quê tanto tempo depois? Como foi o processo de produção deste disco?

Irene Bertachini: O grupo gravou algumas demos não profissionais ao longo dos 10 anos de existência. Sempre foi uma grande vontade gravar as canções, porém o acesso a esse tipo de tecnologia não era tão fácil antigamente e o grupo nunca havia conseguido patrocínio para realizar seu trabalho. A profissionalização para os grupos iniciantes é muito difícil, antes as informações circulavam menos ainda, sem o auxilio da internet e sem a existência de organizações como os Coletivos Independentes de Música. O grupo Urucum na Cara aprovou em 2008, no Fundo Municipal de Cultura de Belo Horizonte, uma pesquisa acerca de composições musicais a partir da vivência entre o universo popular e contemporâneo. Partindo disso, começamos a possuir uma visão efetivamente voltada para a construção do primeiro álbum, que foi inteiramente independente, totalmente sem patrocínio e realizado com dinheiro de apresentações.

Música Pavê: Há alguma preocupação do grupo em relação à estética visual na apresentação? Isto é pensado? Cenários, figurino, etc.

Irene Bertachini: No espetáculo À Beira do Dia contamos com o figurino do Duoteen. Fizemos um cenário bem conectado à ideia do urbano junto a elementos interioranos. Pensamos em fios de eletricidade compondo um poste/varal, cabaças suspensas e “tulipas” construídas por Leandro Cesar.  Para o show de lançamento do CD pensamos em algo que comunicasse com elementos mais orgânicos e levassem a ideia da palavra “Urucum”, da arte e musicalidade do disco. Utilizamos cores mais vivas e as cabaças como um ponto catalizador de nossas raízes naturalmente brasileiras.

Música Pavê: Quais os projetos futuros do Urucum na Cara?

Irene Bertachini: Como somos extremamente férteis, temos gerado novas plantinhas de Urucum. Várias canções vem surgindo com vários parceiros, a ideia é iniciarmos a gravação de um EP com sete músicas em janeiro de 2013.

Mais de Urucum na Cara: Site Oficial | Facebook

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