“Titãs Microfonado”: Desafios Motivam Banda com 42 Anos de Carreira

A cada par de anos, nossa atenção se volta a eleições, ou jogos olímpicos, ou Copa do Mundo, e alguma novidade que Titãs nos apresenta. Em 2022, foi o anúncio da enorme turnê Encontro, que levou a banda em formação original por estádios e festivais de todo o país. E, agora, Titãs Microfonado chega como um projeto também ao vivo, mas na direção oposta: A do intimismo.

Isso porque o disco, acompanhado de um projeto audiovisual, traz Sérgio Britto, Branco Mello e Tony Bellotto em uma performance de sucessos do passado e composições mais recentes gravadas em uma sala cheia de convidados sentados ali ao lado dos músicos. Nomes como Ney Matogrosso, Preta Gil, Vitor Kley e Lenine são alguns dos que emprestam também seus vocais às músicas.

Falando ao Música Pavê por Zoom, Sérgio e Tony comentaram que a sensação foi a de “cantar em volta da fogueira com os amigos”, um desafio muito diferente dos grandes palcos que foi muito bem cumprido pela banda.

Música Pavê: É interessante notar como Microfonado e seu intimismo vêm depois da experiência que vocês tiveram em enormes arenas com a turnê Encontro. A intenção foi ir na direção contrária e explorar agora um formato muito menor de apresentar essas músicas?

Sérgio Britto: Há com certeza uma coisa consequência daquele momento gigantesco que a gente viveu, do Encontro carregado de emoções e tudo mais. Essa transposição é muito interessante e rica para a gente como artista. Você sai, quebra um pouco o padrão que você estabelece ali por repetir uma coisa muitas vezes. Mas também traz essa experiência diferente que é estar ali olhando olho no olho do cara que está na plateia. Você podendo se aproximar, podendo contar histórias, conversar, chegar mais perto. Tem um tipo de palco que não conta com painel de LED, mas é uma coisa de luz bem trabalhada, pensando no teatro cinema, que é uma outra experiência muito bacana, enriquecedora e acho que igualmente interessante.

MP: Penso que é um privilégio conquistado poder ter ambas essas experiências. Nem toda banda pode tocar em grandes estádios, e nem todos podem também revisitar seu repertório em uma dimensão de “pequeno teatro”.

Tony Bellotto: Eu acho que a trazemos a diversidade desde o início na essência do nosso trabalho. Então, ao longo da carreira, ficamos conhecidos por fazer trabalhos radicalmente fortes e relevantes, por exemplo, com música punk. Depois, fizemos um um acústico com músicos de orquestra, que eram coisas aparentemente díspares, mas que dentro do contexto da nossa estética, da nossa música, faziam sentido. Eu acho que somos muito fiéis a isso. E essa tua observação foi muito pertinente. Acho que é também uma forma das pessoas perceberem que permanecemos e seguimos, né? Porque muita gente tinha uma impressão de que depois dessa coisa monumental, desse encontro com os ex, como é que os atuais vão prosseguir? É como se tivéssemos esgotado ali alguma coisa. Pelo contrário, seguimos sempre nos reinventando e construindo formas criativas de nos comunicarmos conosco, com a nossa satisfação artística e com o público.

MP: Como foi o processo de escolher o repertório de Titãs Microfonado?

Sérgio: Ah, foi bacana. Eu acho que, sabendo que é um projeto de regravações, procuramos colocar novidades. Nosso último disco de inéditas, Olho Furta-Cor, é um disco que sofreu por causa da pandemia e também por causa do Encontro, que engoliu tudo, né? Tem muitas músicas ali que ainda são inéditas. Desse disco, escolhemos Apocalipse Só, Como É Bom Ser Simples, Raul e Um Mundo que é uma boa metade do repertório. Fora isso, escolhemos regravações que pudessem ter uma dose de ineditismo. Por exemplo, Tony, sendo o autor da música, nunca tinha gravado e cantado Sonífera Ilha. Então, esse é um aspecto inédito dessa gravação. A mesma coisa vale para Marvin, que fiz com Nando Reis e nunca tinha cantado, ainda mais com a participação de Vitor Kley. Chamamos pessoas também que admiramos de vários setores da música para cantarem com a gente que se adequassem às canções que a gente tinha escolhido. Então, acho que tudo isso dá um caráter também novo e idoso para esse trabalho.

Tony: Nesse ineditismo, talvez a única que se pudesse contestar é A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, né? Ela entra ali por dois motivos muito especiais. Assim, ela foi um grande hit, como alguns poucos que ficou de fora do do repertório do Encontro. É um hit também e é também relativamente recente…

MP: Para quem tem quatro décadas de carreira, vinte anos ainda é recente.

Tony: (Risos) é recente. E também eu acho que tem uma coisa bacana nessa situação toda vivida pelo Branco, com os problemas de saúde que ele enfrentou, que ele costuma dizer nos shows: “Essa aqui é a minha nova voz”. Então, ele está cantando com sua nova voz, e cantando muito bem curado. E acho que isso é legal também, afirma uma coisa bacana que ficou desses desses últimos tempos, é muito motivadora essa situação, tendo Branco vencido todas essas dificuldades.

MP: Tem uma frase sua, Britto, no meio do Microfonado em que você fala “eu não queria me repetir”, e eu acho muito legal pensar que vocês têm um repertório que permite a redescoberta constante, a possibilidade desse ineditismo. Acho que atesta a qualidade do trabalho de vocês enquanto repertório, enquanto cancioneiro, são músicas que permitem que se faça algo novo com elas. Isso se liga também ao que você diz, Tony, “como é que fazemos uma coisa que é tão rock quanto brasileira?”. Acho que talvez está aí a chave de tudo. Titãs é rock, é claro, ainda mais pegando seus primeiros trabalhos, até porque aquela década foi marcada por isso. Mas se hoje um moleque tiver acesso à discografia de vocês pela primeira vez e falar que Titãs é uma banda de MPB, eu não vou discordar dele.

Sérgio: Acho que somos uma banda de música, né? Além disso, eu acho que sempre nos permitimos explorar territórios que às vezes parecem antagônicos e procurar uma maneira de que aquilo funcione. É claro que não é um “vale tudo”. Mas, como você disse, temos esse privilégio de poder tocar em arena, mas conquistamos esse privilégio. E, quando termina a turnê, não pensamos que precisamos manter esse status de artista, de tocar para plateias platéias monumentais e fazer espetáculos grandiosos. Não, agora vamos tocar para menos gente em um lugar mais aconchegante, fazer uma coisa bacana esteticamente e também recompensadora. Da mesma maneira, vale a coisa da composição. É um pensamento que acho que quem olha para nossa carreira… obviamente tem gente que não gosta de nós, não tem nenhum problema. Mas, eu digo assim e dá para reconhecer esse princípio de uma procura em se reinventar para não se repetir.

Tony: Isso é interessante, porque nós somos compositores muito profícuos, compusemos muito a vida inteira. Temos muito material e poderíamos agora lançar um disco de músicas inéditas, mas as pessoas às vezes interpretam como se fosse um certo comodismo nosso – “ah, não estão se repetindo”. E não é, porque é um equilíbrio muito delicado termos alguns sucessos antigos que são como se fossem novidades para uma geração nova que está nos conhecendo agora. Temos que dosar isso. É um desafio que exige também coragem. Então, é muito legal que este Microfonado, apesar de ter sucessos antigos e tudo mais, é um desafio. É mais um salto no escuro que damos sempre estamos lançando um trabalho novo. E isso que nos mantém motivados a continuar, né? Os desafios.

MP: Mas é muito irônico também estar no lugar que vocês estão, porque se tem alguém falando em alto e bom som que Titãs estáse repetindo demais por gravar Sonífera Ilha, existe um cara do outro lado falando também “tem quatro músicas do disco mais recente e eu queria ouvir aquelas das antigas”, né?

Sérgio: (Risos) isso foi uma boa observação. Eu vejo nos comentários – hoje em dia, você vê tudo que comentam, né? -, infelizmente vejo algumas pessoas dizerem que estamos nos repetindo, “não tem mais nada novo a dizer”. Aí, respondi: “Pô, cara, pensa bem, é uma banda com 42 anos de carreira que nos últimos anos fez uma ópera rock, um disco de inéditas. Me diz que [outra] banda brasileira ou gringa faz isso ou que toca no show cinco músicas do disco que acabou de lançar?”. São poucas, eu conto nos dedos. Das grandes, não conheço nenhuma. Não estou acusando ninguém, mas só estou observando. Paralamas é uma banda que está igual desde o começo, desde o princípio, mas também não tem assim essa frequência de produção de trabalho inédito, como nós temos. Então, qual é o parâmetro que você usa para fazer essa crítica? Eu não consigo entender. Obviamente que só nos resta fazer o que nos cabe, né? Mas eu tô só constatando, não tem proporção nisso. Obviamente, ninguém vai lançar um disco de inéditas por ano com 42 anos de carreira. Aliás, ninguém mais faz isso.

Tony: Não. É a expectativa. Eu me coloco como como plateia, como fã. Se eu vou ver Rolling Stones, eu não tenho uma expectativa de um show inteiro com canções inéditas. Já se cria também uma cumplicidade entre artista e público de que algumas músicas terão que ser tocadas ali para satisfazer um desejo muito íntimo do cara de ouvir aquele aquele hit que ele quer ouvir. E você vê, por exemplo, nessa turnê atual [de The Rolling Stones], eles tocam acho que duas músicas do disco novo no show inteiro. Então, é como Britto falou, uma banda com 42 anos de carreira tem que dosar tudo isso. E estamos muito satisfeitos com como estamos dosando.

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