Lestics: “A gente é muito dirigido pela vontade de fazer música”

“A gente é muito dirigido pela vontade de fazer música” poderia ser uma frase qualquer dita por aí. No contexto de uma banda que atravessa uma década de existência, com diversas mudanças em sua formação, e lança agora não só um de seus melhores álbuns (talvez o melhor?), mas também um fanzine para acompanhá-lo, a tal “vontade de fazer música” adquire um enorme significado: O de resiliência.

No caso, estamos falando de Lestics e seu recém-lançado Breu, disco que carrega em si tanto um atestado do trabalho caprichado que o quarteto realiza quanto um diálogo subjetivo, mas pertinente, ao tempo que vivemos. “O nome Breu e o tema central foram escolhidos muito no começo”, contaou o vocalista Olavo Rocha ao Música Pavê por telefone, “acho que é um reflexo desse momento que a gente tá passando de muita dúvida, de uma dificuldade de encontrar onde tá a motivação da gente continuar brigando. Cara, tem que brigar, a gente não conquista nada que se mantenha sem que a gente continue brigando pelas poucas. Como país, a gente avançou muito pouco, mas é um pouco que já incomodou e já vieram com gana pra tomar o que foi conquistado. Então a gente tem que se ligar que a ideia de conquistas que se perpetua é ilusória, a gente tem que brigar o tempo inteiro para espaços mais igualitários, mais razoáveis”.

Toda essa luta tem a ver com a situação política do Brasil, da mesma forma que há um paralelo com a sobrevivência por tanto tempo, e com tanta produtividade, no meio musical independente. “Tem um aspecto de resistência contra as dificuldades de ser uma banda não profissionalizada, sem uma estrutura de ter booker, produtor, empresário. E tudo isso porque a gente continua tendo que levar a vida, ter trabalhos paralelos. É sempre um sacrifício”, comenta Olavo, que continua: “A gente sempre quer fazer um disco legal – é claro que uns ficam melhores que outros, mas isso é da vida. Às vezes você acerta mais, às vezes menos -, você quer ver o bichinho vivo ali. Isso faz mais sentido do que ficar centrado na história da briga mesmo, falar ‘cara, conseguimos colocar no mundo mais um trampo’. Dá pra ter essa visão de celebrar um pouco, ‘que legal que rolou’, saca?”.

E rolou mesmo. Breu traz algumas marcas de identidade da banda que quem a acompanha reconhecerá logo – uma lírica bem construída e sentimental na medida certa, acompanhada por um formato de canção de rock que não se contenta com obviedades do gênero. Tudo isso ganha o tom pesado natural ao nosso momento histórico, mas também serve como um amparo emotivo muito necessário em meio às discussões. “Nesse trânsito todo da banda, nesses anos todos, acho que tem uma unidade que não é temática, mas é poética, de uma coerência lírica”, explica Olavo.

Rock ficou um rótulo meio zuado, né? De uns tempos pra cá, ficou pior, cheira a um certo reacionarismo. Mas rock não é só isso, tem muita gente fazendo coisas muito legais e não encartilhadas, reacionárias, preguiçosas, dogmáticas etc. O gênero, eu acho, perdeu sua potência para além da música de ser um fenômeno cultural mais relevante. Isso faz muito tempo, na verdade, quando você pensa na disco, no rap, no funk, um monte de outros são muito mais relevante que o rock. Mas é isso, essa música não tem mais o peso comportamental que teve em outros momentos. Ok. Mas como música ela pode ainda ser muito viva, não embolorada e sem sentido. Acho que o rock ocupa esse espaço. Dá pra ser legal, relevante e vivo fazendo rock”.

Na busca por novas ideias para apresentar suas músicas, veio também o formato gráfico que acompanha Breu. O fanzine foi feito “em cima das letras do disco”, como o vocalista explica, dizendo também que o projeto nasceu de convites que ele fez para artistas com quem já havia trabalhado com quadrinhos, mas tomou outras proporções à medida em que novos convidados eram integrados ao projeto. O resultado é um dos trabalhos do qual Lestics mais se orgulha de ter promovido.

“A gente tá há onze anos porque a banda se renova”, conta ele, “desconfio que seja isso. Começou só como um duo. A gente se divertiu mesmo fazendo o primeiro disco, fez um segundo e chegou um momento em que a gente precisava de mais músicos, pra poder fazer show e tudo rolar mais legal. Mesmo que você consiga reunir pessoas que têm desejos próximos, nessa caminhada da banda, é difícil se manter motivado, recompensado de alguma maneira, ou disponível – porque dá trabalho pra caralho. É difícil você ter uma estabilidade no sentido de ter sempre as mesmas pessoas remando com a mesma vontade de se renovar o tempo inteiro”.

Mas se é da adversidade que surgem as melhores criatividades, Lestics mostra mais uma vez que merece comemorar a vitória de lançar um disco de qualidade, e Breu nos relembra que o momento obscuro do país gera obras assim, críticas e sensíveis. Ouça Dois e entenda esse potencial.

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