Entrevista: Uyara Torrente

foto por rosano mauro jr.

Uma semana após o lançamento de Temperança, seu primeiro single em carreira solo, a paranaense Uyara Torrente falou ao Música Pavê por telefone sobre esta nova fase, que acontece em paralelo com tudo aquilo que ela tem vivo com A Banda Mais Bonita da Cidade.

A música de Maria Lalla Aché e Conceição Machado foi gravada a partir da dança, com beats de Marano Ailum em um processo que envolveu Jean Machado (Tuyo) e Du Gomide. “Todo mundo que está ali são pessoas que eu amo e que me deram as mãos para eu poder começar esses caminhos”, conta ela, que falou também sobre a trajetória até chegar aos lançamentos com seu próprio nome, iniciada em 2011 com Oração.

Música Pavê: O clipe começa com você encarando a câmera, e a voz entra por cima. Entendi como um convite a uma cumplicidade com você, um “olho no olho” ali sem a quarta parede. Conta um pouco sobre esse primeiro contato que você está tendo com seu ouvinte nesta jornada solo?

Uyara TorrenteMuito interessante a sua pergunta. Foi realmente uma decisão minha fazer um clipe encarando a câmera. Pode ser fácil para algumas pessoas, mas para mim foi bem difícil. Eu de cara visualizei o clipe assim, olhando diretamente para a câmera e, consequentemente, para as pessoas que assistem ao clipe. Para mim, foi muito simbólico por toda a história que aconteceu com a banda em 2011, que foi muito maravilhosa por um lado, mas também foi uma coisa muito assustadora, eu senti muito medo no auge dos mes 24 anos (risos), medo de não dar conta. A sensação que eu tenho é que eu simplesmente fechei o olho e fui! Fechei o olho e falei “bora, vamos viver essa loucura que tá acontecendo”. E, ao longo dos anos, fui abrindo o olho aos poucos e encarando um pouco mais as coisas… As coisas só acontecem a partir do momento em que você olha para elas, né? Então, o movimento de abrir o olho, para mim, é muito simbólico, olhar mesmo e falar “cara, é isso”. Pra mim, é uma sensação muito grande de exposição, porque para mim meu olho diz muito. Não é uma interpretação, uma cena ensaiada, esse clipe é uma vivência registrada. Então, eu tenho a sensação de que, quando eu olho para a câmera, eu tô expondo tudo, tudo o que eu tenho. Isso também é uma coisa que me dava medo. Então, esse olhar para a câmera, olhar para as pessoas, significa muita coisa. Significa me enxergar, significa sim propor uma cumplicidade, de falar “eu tô aqui completamente exposta mostrando tudo o que eu tenho, tudo o que eu sou” e esse olhar é de “vem, olha aqui no meu olho, vamo junto”. Acho que passa também pelo lugar de ter vivido muitos medos e… enfim, vamos abrir os olhos, vamos enxergar as coisas (risos). Sobre o primeiro contato com o ouvinte, eu tô entendendo isso agora, mas a minha intenção era justamente esse lugar de exposição total, de braços abertos e de “vamos juntos”.

MP: Costumo brincar que o artista é “solo, mas bem acompanhado”. Como foi escolher a equipe que está com você no disco e tudo o mais?

UyaraSim, você tem total razão, é solo e muito bem acompanhado, porque a gente sempre precisa de uma equipe maravilhosa pra fazer as coisas acontecerem. Meu, eu tive muita sorte, porque esse trabalho se deu muito na companhia do meu grande amor, do meu companheiro de vida, Marano, que foi meu melhor amigo durante anos e, de repente, virou meu companheiro amoroso. A gente tá no mato morando juntos, e esse trabalho veio muito disso. Ele foi a pessoa que me fez olhar pra mim, me fez perceber a quantidade de coisas que eu queria dizer, que eu estava pronta e que estava chegando a hora. Trabalhar com ele foi uma coisa natural, ele já faria parte dessa equipe não só por ele ser esse parceiro maravilhoso, mas porque eu acho ele um artista muito foda, eu amo o disco dele, ele cria de uma maneira muito linda e muito parecida comigo. Jean e Du são amigos próximos, essa equipe foi se construindo muito pelo afeto, que foi a grande rede que trouxe essas pessoas para perto. Todo mundo que está ali são pessoas que eu amo e que me deram as mãos para eu poder começar esses caminhos. Da maquiadora do clipe até a direção, da mix até o brother que fez os efeitos do clipe, todo mundo se entregou muito de coração, sou tão grata!

MP:  Quais têm sido as maiores diferenças para você na comparação entre assinar um trabalho com seu nome e outro como vocalista da banda?

UyaraAcho que é bem diferente. A sensação que eu tenho é que a Banda está no meu coração de uma maneira incontestável, de uma maneira maravilhosa, para todo o sempre, e a Banda está em mim. E o meu trabalho solo… Como eu posso explicar? A banda está no meu coração e o me trabalho solo é o meu coração. Uma coisa é você estar, outra coisa é ser. Então, assim, eu estou na banda e a banda está em mim, é um amor incondicional e vivo. Mas o meu trabalho solo sou eu, entende? É o que eu sou, é sobre a mulher que estou me tornando, é sobre mim. A Banda é uma criação coletiva, cada um coloca um pouco do seu melhor, aí a gente tem uma alquimia maravilhosa. Mas o meu é só sobre mim, sobre as coisas que eu carrego, então todo o espaço que existe é para que eu preencha com as coisas que eu sou. É muito louco, porque essas coisas coexistem em um amor igual, mas eu realmente tenho aprendido muito sobre mim nesse trabalho.

MP: Sobre o disco e esta fase, por que agora era o momento certo?

UyaraEssa coisa do momento foi tão de dentro pra fora. Eu venho vivendo processos tão lindos e parece que, pela primeira vez na vida, consigo ouvir intuições. E, cara, uma coisa dentro de mim simplesmente foi acontecendo e eu vi que era a hora, não tinha mais como não ser. Quando eu vi, a gente já estava fazendo, eu já estava lidando com todos os meus medos, eu já estava lidando com tudo o que eu tinha que lidar. Foi um processo muito junto, não foi assim “ah, eu vou fazer um trabalho solo”, foi “eu vou olhar pra dentro, entender quem eu sou, me dedicar ao meu autoconhecimento, vou fazer as minhas terapias” e, a partir desse processo, ele foi nascendo, ele foi se apresentando. De repente, era a hora. Tanto que eu nem esperei o disco, ele vai sair só no ano que vem, vou só lançar alguns singles por enquanto. Mas eu precisava lançar esse agora, era algo muito urgente dentro de mim. Não foi uma determinação de calendário (risos), foi… cara, só foi.

MP: Voltando um pouco ao assunto da sua interpretação para a câmera no vídeo. Lembro que, assim que a Banda Mais Bonita popularizou, era costumeiro te situar também como atriz quando falávamos de você. Depois de tantos clipes e shows, você acha que as duas linguagens se fundiram, de certa forma, na sua arte? 

UyaraEu acho que a coisa de ser atriz tem dois lugares. Tem isso que a gente entende de fazer uma cena, de estudar um movimento dramático, de ensaiar. Isso é um lugar, e eu acho que ele não existe dentro da música, eu não estudo uma sequência dramática de movimentos. Mas eu acho que tem outra coisa sobre ser atriz que é muito linda, que é sempre deixar os canais abertos, a sensibilidade muito aberta para abraçar esse acaso que acontece no teatro. Porque você tem um personagem, uma marca, uma fala, mas você precisa estar muito aberta pro acaso, teatro é uma parada muito viva, tudo pode acontecer. Eu acho que isso sim é uma coisa que eu trago. Por exemplo, o que eu falei do clipe – eu não ensaiei aquele olhar, não ensaiei nada, só me coloquei disponível com os canais de sensibilidade abertos. Isso foi difícil, porque era sobre mim, não uma personagem. Aí me coloquei em um estado de sensibilidade aberto para viver aquele momento, o clipe seria o registro daquela vivência. Acho que a parada de ser atriz entra nesse lugar, na sensibilidade de ser invadida pelo verdadeiro, pelo que estou sentido. Ser atriz na música, para mim, é estar completamente disponível para viver aquele momento verdadeiramente e intensamente.

MP: O que você mais aprendeu com a Banda Mais Bonita e suas turnês que trouxe para esse disco? Consegue “fazer de conta” e imaginar como suas músicas seriam sem essa vivência?

UyaraEu não consigo imaginar, porque eu não consigo pensar nesse trabalho existindo sem a Banda. Primeiro porque eu nunca imaginei estar na música, sempre imaginei que aos 31 anos seria uma atriz de uma companhia incrível (risos), sabe? Sempre achei que seria uma grande atriz do teatro, do cinema, nunca me imaginei na música. Essa coisa com a Banda foi muito assustadora, mas me apresentou a coisa que eu mais amo fazer na vida hoje em dia. Para mim, cantar é estar viva, estar em turnê é super cansativo, mas é maravilhoso, me pulsa uma parada muito foda. Se por um lado 2011 me trouxe alguns traumas e alguns medos com os quais eu lido até hoje, por outro, ele me trouxe aquilo que eu mais amo fazer na vida, que é cantar, criar para a música. Seria impossível existir “Uyara Torrente – Temperança“. Até porque eu nem teria conhecido o Marano, a gente se conheceu porque ele entrou pra Banda, e foi ele quem me apresentou todo o universo, que me trouxe até essa música, e o meu próprio universo interno (risos). Com certeza, toda a trajetória da Banda me trouxe muita maturidade para estar aqui dando a cara pra bater, sou muito grata por essa trajetória. Eu falo muito desses medos, desses traumas de 2011, mas sou completamente grata. A Banda é a minha maior escola sobre tudo: Sobre produzir, sobre perrengue, sobre estrada, sobre parte burocrática, sobre logística… Foi e vai ser sempre a minha maior escola.

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