Entrevista: The Outside Dog

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The Outside Dog já é uma velha conhecida dos leitores mais antigos do Música Pavê. A gente viu por aqui quando saiu o primeiro álbum e o primeiro clipe, além de acompanhar de perto o All Folks Fest, festival organizado pelo grupo em São Paulo.

Com o lançamento de Outros Caminhos – Parte 1, primeiro de três EPs todos em português, agora com mais um vocalista – o carioca Rafael Elfe – na formação, chegou a hora de ir conversarmos diretamente com a banda para entendermos melhor essa nova fase.

Dê o play abaixo e veja o que os dois vocalistas, Pedro Gama e Elfe, nos contaram.

Música Pavê: Vamos logo tirar essa pergunta do caminho – Afinal, por que começar a cantar em português?

Pedro Gama: Ainda acredito que todo músico e artista queira, de alguma forma, transmitir uma mensagem e se comunicar com seu público. Independente do conteúdo, isso deve ser feito, ao meu ver, da maneira mais objetiva possível. Sendo uma banda brasileira e tocando para um público brasileiro, o português elimina qualquer barreira de entendimento.

Rafael Elfe: Além de uma conexão imediata com nosso público e nosso dia a dia, existe esse desafio de dizer coisas utilizando suportes não tão usuais na música popular brasileira. Não apenas pelo desafio. Sem perder a pegada que caracteriza o folk, o country e o blues, trivialmente falando, queremos quebrar esse paradigma de que certos estilos só funcionam com certas espécies fonéticas. O inglês é sabidamente e atestadamente uma língua sonora e de fácil lida quando se trata de melodias, pois não sugere tantos acidentes fonéticos. Mas a magia dessa poesia pode ser alcançada de outras formas… o processo tem nos provado isso. E a gente, humildemente, se propõe a  buscar essa suposta alquimia.

MP: Além da novidades da língua, há agora a inclusão de Rafael Elfe não só  na voz, mas nas composições. Qual das duas mudanças define mais a cara da banda hoje?

Pedro: Tive a sorte, nessa breve vida do Outside, de cruzar com músicos muito talentosos. O Rafael foi aquele que decidiu pular neste trem e seguir junto com gente. Ele não trouxe somente voz, composições e melodias, mas sim toda uma injeção de ânimo e profissionalismo que ajudou a banda a definir sua “cara”. Hoje, o Outside Dog é a união de trabalhos individuais em função de um objetivo comum.

Rafael: Quando entrei na banda, ou melhor, quando me vi que já fazia parte dela, eu já ouvia essa  tal “cara”. Na minha vida inteira, busquei conhecer pessoas que se afinavam dessa forma e com esses elementos específicos. Quando comecei a fazer música, desde moleque, já brincava de falar essa palavrinha: folk. Estar na banda é muito mais que apenas compreendê-la como algo que  já se definia e existia antes da minha chegada. Além do mais, contrariando um pouco o Pedro, o caminho eles já tinham encontrado, pois Rooster’s Gonna Crow, pra mim, e algo que a gente já poderia chamar de “Outside Way of Song”.

MP: Mesmo sendo Parte 1, este Outros Caminhos já chega com uma cara bem completa. Como foi o trabalho de separar quais músicas entrariam em cada um dos discos?

Pedro: O disco começou a ser pensado em novembro passado e na minha cabeça aquilo era uma espécie de um “novo começo”. Não estava renegando as canções passadas, mas apenas entendendo comigo mesmo que esse era um outro ângulo do mesmo caminho. Das faixas compostas, pincei aquelas com que mais me relacionava, e depois de mostrar para a banda, decidimos ficar com 3 delas e colocar também a Dias de Chuva escrita pelo Rafael, uma sábia decisão! Todas as quatro se comunicam tão bem que acredito que esta é a razão de você dizer que ele chega com uma “cara bem completa”. Acho que fechamos um ciclo nesse EP, mas ao mesmo tempo, a última faixa (É Preciso Lutar) nos dá abertura suficiente para irmos onde quisermos na próxima etapa.

MP: O que diferencia este dos próximos dois? Ele teve algum cuidado especial por ser o primeiro, o que vai definir a “primeira impressão” de quem olha para o projeto agora?

Pedro: Apesar de termos dividido um álbum em três partes, o que pretendemos mostrar é uma unidade entre os EPs e uma fluidez natural ao longo das faixas. Essa preocupação especial existe não somente nesse disco, mas em cada uma das etapas necessárias para a execução desse e também em todas as outras que ainda virão. Ela está na gravação, nos arranjos, nas letras, na arte da capa (magistralmente criada e executada pelo Ciro Jarjura), até a maneira com que é divulgado.

Rafael: E além disso, existe uma unidade inerente ao caminhos que estamos trilhando. Uma regência que vai além do que a gente pode tentar explicar. Precisaríamos te dar uma carona, juntar os amigos numa estrada, e passar uns dias viajando, ouvindo música e falando sobre o que é essa coisa sem precedentes que a gente comumente chama de vida. E é o que temos feito ultimamente… essa ligação transparece em tudo. Desde o nome do álbum ate o DVD que você aluga pra assistir com a sua namorada.

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MP: A impressão que eu tenho é que antes o folk parecia uma espécie de exercício, quase um experimento, para os músicos, e agora ele flui mais organicamente. Que leitura vocês fazem disso, também tem essa impressão (ou é viagem minha)?

Pedro: Já perguntou para alguém se ele “gosta de folk”? Se percebe que foi confundido com “funk”, você responde com uma outra pergunta: “sabe Bob Dylan?”. Isso ilustra muito bem o tipo de música que nos metemos a fazer. De forma alguma estou dizendo que a banda desconhecia ou não ouvia os grandes nomes do estilo, mas temos que pontuar que folk (rock, pop, country, indie e suas n variações) compreende muito mais que Bob Dylan e Neil Young. Invariavelmente todos, inclusive eu e o Rafael (que já éramos aficionados), passamos a ouvir e descobrir mais bandas e também a trocar influências. É fato que o folk passou a ter uma representatividade maior em nossas vidas em meio a todos os outros estilos musicais que ouvimos e gostamos, e é claro que modificou e aprimorou, nosso modo de tocar e compor. Você está corretíssimo e pra comprovar é só perceber um aumento significativo de camisas xadrez em nossos armários.

Rafael: Concordo com o Pedro. O termo é bem mais abrangente, apesar dos pesares. Se tomarmos o rótulo crasso, a gente necessariamente tem que citar Dylan pra explicar pra qualquer pessoa o que fazemos. Mas se falarmos de folk como uma expressão popular através de canções unicamente… muita gente que se exercitava, sem saber – ou sabendo, já fazia folk. Raul era um folker. Zé Geraldo, Almir Sater e outros tantos fizeram e fazem… mas talvez ninguém tenha metido o pé e dito: – gente, isso e folk! Tudo bem que agora tem muita gente pegando carona no bonde erroneamente, mas não é bem assim… o tempo faz essa triagem, e é um processo mais do que natural.

MP: Essas quatro faixas me parecem também ter em comum alguma esperança ou ideia de progressão, como se os personagens das letras olhassem para suas situações e buscassem outras, nem que seja matar saudades de alguém. Existe alguma preocupação em uma “mensagem” nas letras ou algo assim?

Rafael: Sim, claramente temos essa intenção de dizer algo, seja nos arranjos nas composições ou nas letras. Cada canção tem a sua história pra contar e o importante e que elas possam se relacionar com as pessoas. Depois de gravarmos, a nossa mensagem deixa de ser tão importante, mas a maneira como essa ela se comunica com quem ouve é que é o fator primordial. Se conseguirmos que ela traga associações com lembranças ou passagens da vida, daí teremos alcançado nosso maior objetivo. A música acaba se tornando única pra cada ouvinte.

MP:Qual é a melhor coisa sobre fazer folk no Brasil?

Pedro Gama: Poder tocar nos shows canções de músicos desconhecidos ou lados B de ícones do estilo e muita gente vir me cumprimentar dizendo que achou incrível as novas músicas! É feio levar crédito?

Rafael: Essa é uma delas… e não e feio levar créditos quando a gente ama o que faz, sem desonestidade. Alias, o amor e desonesto? Amar é uma entrega, ne? Nos entregamos a essas músicas. Se executamos elas, fazemos parte delas e nos ligamos a quem as fizeram. Uma outra dessas maravilhas, ao meu ver, é ver crescer essa compreensão de que o folk e muito próximo de uma – senão muito completamente – essência ao redor do globo. No Brasil não é diferente. É um tipo de expressão das mais humanas e honestas, por estar fisicamente bem próxima de quem o faz, seja ele quem for. O folk é o caminho mais curto entre a mensagem e quem ouve. Não tem atalhos longos. Se ouvirmos o desert blues do Mali, vamos ouvir os dedilhados do Mississipi J. Hurts lá, e o inverso. Se ouvirmos Helena Meireles, Tião Carreiro, teremos personificações de Cash, Karen Dalton. Ouvindo Woodie Guthrie ouviremos as cantigas dos bandoleiros do bando de Lampião, o nosso western também tinha pólvora e melodias lindas. O cancioneiro é folk. Folk é o povo. É isso que nos liga.

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