Entrevista: Rafael Castro

Lembra? Claro! E foi por isto que me recordei de Rafael Castro quando no lançamento deste seu oitavo disco, o primeiro em versão física,  intitulado Lembra?. Antes deste eu já conhecia seus trabalhos anteriores, todos com laçamento exclusivo na Internet. Lembro que o que mais me chamou atenção foi justamente um que tem clara inspiração na música caipira, de nome Raiz. A primeira música que ouvi foi Fazenda.

Ali, naquela canção, reparei de sua sensibilidade e forma de escrever cheia de poesia nada óbvia. O amor transfigurado e transcendental daquela canção,  transportando seus personagens para a lida de uma fazenda,  no trato com os animais, numa relação de amor de dominador/dominado, rebanho/dono, amor/tolerância. Que letra é essa? Que transgressor! Que poético! Foi assim o meu primeiro contato. Fiquei refletindo a noite toda. E foi assim, também, e por causa dessa música, que decidi escrever este artigo em primeira pessoa.

Um dia, encontrei o Rafael Castro tocando na noite de Sampa, perguntei: “como, Rafael, você consegue lançar sete discos em três anos?”. Ele disse “é muita coisa para falar” e deu um sorriso. O rapaz de Lençóis Paulista, interior do estado de São Paulo, realmente tem muitas coisas para falar. Este último álbum é próprio disto, e de seu humor irreverente, sem deixar de ter a crítica e percepção reflexiva do que é e pode ser o mundo. Há uma clara preferência por uma construção poética nada óbvia. Tudo é pensado para causar reflexões, sobre diversos assuntos, como a quimioterapia de A Menina Careca, o mundo imperceptível do Lixo, a língua do Surdo Mundo, até do terremoto no Haiti, a sua levada caipira crítica de Informação, entre outras. São assuntos densos, tratados do começo ao fim. Por isto, talvez, o disco seja menos irônico e mais reflexivo. A sonoridade acompanha a linha de pensamento. No entanto, não se engane, o humor clássico de Rafael está lá, em todas as entrelinhas.

No disco há participações especiais de expoentes do circuito musical paulista atual, como Tulipa Ruiz na faixa Let me Enjoy my Self, Maurício Pereira em Informação, Léo Cavalcanti em A Menina Careca e Christian Camilo em Haiti.

Leia a entrevista exclusiva que fizemos com Rafael Castro a propósito do lançamento de Lembra?

Música Pavê: Rafael, seu novo trabalho se chama Lembra?. Título intrigante, representa algo para você?

Rafael Castro: Deve representar um punhado de coisas. Tem o fato de eu não ter lançado trabalho completamente autoral desde 2009 e estar meio sumidão quando as pessoas estavam acostumadas a um ritmo de quase dois discos por ano. Também tem o lance da faixa título amarrar a melancolia e a angústia que dá uma permeada ao longo do play. E acho também que esse negócio da poesia mais agressiva na música brasileira tava ficando meio esquecido, daí a sugestão de se lembrarem.

MP: Desde a criação das músicas até a disponibilização para download, como foi o processo de produção deste novo trabalho?

Rafael: Esse disco nasceu de um apanhadão de canções que estavam sendo feitas desde 2010, que virariam outro disco virtual, do tamanho de um CD triplo (risos). Com a ideia de fazer em formato físico veio a necessidade de se sintetizar um repertório coeso e foi aí que se definiu o que ele realmente viria a ser. O processo de gravação foi o mesmo de sempre, dia após dia, no meu estúdio caseiro, fumando e tomando um refri.

MP: Em relação às composições e sonoridade, este álbum tem aspectos que são marcantes para você?

Rafael: Como eu disse, tem esse lado melancólico e angustiado. Isso é marcante por deixar um pouco aquele humor mais leve e brincalhão de lado e atacar de um jeito mais severo algumas questões que a gente, vez por outra, evita ou não sabe como lidar. O lance da sonoridade mudou um pouco porque esse foi o primeiro disco gravado com vários microfones e mixado de um jeito mais profissa, um pouco mais hi-fi, por assim dizer.

MP: Há participação da Tulipa Ruiz na faixa Let me Enjoy my Self, do Maurício Pereira em Informação, do Léo Cavalcanti em A Menina Careca e do Christian Camilo em Haiti. Como foram construídas estas participações?

Rafael: Todas essas pessoas eu admiro muito há muito tempo e sempre quis fazer alguma coisa com elas. Ouvindo as músicas de vez em quando, pintava “e se fulano cantasse aqui? E se ciclano ali?”, foi um treco meio espontâneo mesmo por estar sempre com essas pessoas na cabeça. Eu gostei muito do resultado, porque nas faixas em que eles participaram acho que eles cantaram e interpretaram melhor que eu mesmo. Além disso, existe a possibilidade de todos participarem de apresentações ao vivo. E aí vai ser sucesso total, porque esses caras realmente manjam como dominar uma plateia.

MP: A arte do encarte é de Alexandre Paschoalini e Thany Sanches. Sem dúvidas, a parte visual é marcante na identificação das pessoas com o álbum. Muitas vezes é o primeiro contato com a obra. Conte-nos como vocês chegaram ao resultado final.

Rafae: Foram meses se encontrando e trocando ideias sobre o que a gente poderia fazer pra dar a essas canções um visual. Eles ficaram completamente livres e criaram muitas coisas em cima. As que a gente ia gostando ia definindo e o que ficou é só o fino da bossa desses caras. Além do Alê e da Thany também tem a arte do magnífico Bruno Mazzilli, que fez a capa e uma ilustra que integra o encarte.

MP: Reparei que há pelo menos três peladões ilustrados dentro do encarte (risos). Tem alguma mensagem poética que vocês queriam passar? Alguma interpretação sua? Afinal, debaixo da roupa todos somos nus.

Rafael: Eu acho que todo artista quer mesmo é tirar a roupa de todo mundo, literal ou metaforicamente. Se a gente tá fazendo um trabalho em que isso é permitido vai rolar com certeza! A nudez está aí.

MP: Neste mundo da música independente, nós temos que ser, muitas vezes, não só os músicos mas produtores, técnicos de som, designers gráficos… Se por um lado é extremamente oneroso ter que assumir todos os processos da carreira, por outro são criadas muitas oportunidades de aprendizado. No seu álbum, você toca todos os instrumentos, além de produzi-lo, mixá-lo e masterizá-lo. Pensando nestes aspectos citados, ser independente lhe trouxe quais outros aprendizados?

Rafael: Hoje eu acho que eu e minha equipe, com ajuda de muitos amigos, somos praticamente uma gravadora. Temos que aprender toda a confecção do disco, das partes sonoras às partes gráficas, documentação, divulgação, distribuição, publicidade e venda de shows. É bem possível que se nos contratassem pra dirigir uma gravadora, com toda a grana que elas tem, faríamos melhor.

MP: A nova turnê do disco já está em vista? Quais são seus próximos passos após o lançamento do disco?

Rafael: A turnê está se formando. Lançamos o disco dia 04/11 no Itaú Cultural e já temos shows marcados no interior de São Paulo e Minas Gerais. Tudo indica que o ano que vem vai ser estrada!

MP: Seu último show foi no formato voz e violão. Como é a recepção das pessoas? Há alguma modificação no arranjo das músicas? Para este novo disco também fará shows assim?

Rafael: Esse show sem a banda foi mais uma brincadeira. Eu gostei bastante porque eu fico livre pra improvisar, esquecer, recomeçar e tudo mais. Mas não sei se um show nesse molde funcionaria pra públicos menos intimistas, como foi lá na Casa do Mancha. É possível que eu faça de novo, sendo nessa ideia pocket show.

MP: Mudando um pouco de assunto… Muitas bandas e músicos acabam se mudando para São Paulo em busca de mais oportunidades de trabalho e divulgação. Como você vê estas oportunidades – ou não – da capital paulista?

Rafael: Eu acho que as capitais são os lugares para se trabalhar arte. Quem mexe o doce e agiliza o mercado está aqui. Oportunidade não tem muita, assim, dando sopa. O negócio é você cavar isso diariamente, montar seu esquema e partir para cima. Se não se organizar e trabalhar direito nenhum projeto vai pra frente, nem em São Paulo, nem em lugar nenhum.

MP: Algum novo clipe em vista?

Rafael: Clipe de Surdo-Mudo. Só posso adiantar que será uma superprodução (risos).

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