Entrevista: Pélico

São duas as coisas que eu preciso te contar sobre Pélico antes de você ler esta entrevista. Primeiro,  a Tulipa Ruiz diz que, ao conhecê-lo pessoalmente, leva um tempo para você associar seu rosto a todas as vozes de suas músicas. Concordo. Segundo, toda a melancolia do disco Que Isso Fique Entre Nós não é algo que ele leva para a mesa do bar. Ele escreve, canta e toca sobre tristezas, mas na hora de sentar pra conversar, ele é o primeiro a achar motivos pra rir (e isso ele faz bastante). Não que eu esperasse alguém depressivo ou amargurado, é que é sempre uma surpresa agradável poder conversar com alguém que sabe colocar sua dor na música, mas que foge daquele ideal Romântico do artista perturbado. Aliás, essa figura do artista que se acha superior aos outros é algo que ele deixa claro que odeia. É com conversas cotidianas que ele se inspira, e ainda brinca ao falar sobre sentar comigo por horas pra ser entrevistado: “Não é bondade, eu não sou um cara legal. Eu me divirto com isso”, sempre em meio a risadas. Conheça mais lados de Pélico, que se prepara para gravar o clipe da excelente Recado agora em dezembro.

Vamo Tentá

Música PavêA impressão que eu tenho é que o Que Isso Fique Entre Nós usa diversos instrumentos, vários timbres e sonoridades diferentes, mas cada música tem uma certa “simplicidade”, um número mais limitado de instrumentos.

Pélico: É, isso é uma coisa que eu e o produtor [Jesus Sanchez, do Los Pirata] já tínhamos estipulado no outro disco. Eu tenho essa influência principalmente de Beatles, até mesmo do Arcade Fire, bandas que usam muitos instrumentos, mas a gente sempre tem a preocupação que não vire um balaio de gato, sabe? Tiro pra tudo quanto é lado. Não, vamos escolher algumas coisas e vamos usar no disco todo, e vamos combinar essas coisas. Isso é uma coisa de produtor e de produção, você escolhe os instrumentos que acha que tem a ver com as músicas, com as letras, e vamos brincar com isso, por que se vamos enchendo de coisa, enchendo de coisa, enchendo de coisa, vira… aí vira aqueles discos de produtor, né? Uma coisa sem sentido. E isso é feeling, né? Você saca o que faz sentido numa música, o que cabe dentro dela sem descaracteriza-la. E isso é tentativa e erro. Acerta daqui, erra dali, enxuga… e é um trabalho árduo, sabe? Achar essa sonoridade sem encher de instrumentos, e era também uma coisa que eu já tinha em mente que era ter um disco muito mais limpo que o anterior, que é mais rock, é mais sujo, e que calhou das minhas músicas pra esse disco permitirem esse tipo de arranjo, serem mais calmas. Eu queria sair fora do que eu já tinha feito, sabe? (pausa) Eu acho que a gente foi muito feliz com isso, de conseguir traduzir musicalmente e nos arranjos o que as canções diziam. Trazer mesmo pro íntimo. A grande brincadeira era essa, “eu vou falar como se estivesse falando pra UMA pessoa”. Até algumas pessoas me perguntavam “pô, você não ta impedindo que as pessoas divulguem seu disco, é realmente pra ficar entre vocês?” e eu até brinco, respondendo “pô, se você quer que uma história seja contada, peça segredo” (risos)

MP: Eu ia comentar justamente isso, da ironia que é você falar pra uma só pessoa enquanto canta pra milhares.

Pélico: (risos) Esse é o grande lance do disco. 80% da temática é as relações humanas, não tem nada político ou social, mas são relações humanas, na maioria delas espacionais e tal, e isso é um tema que, se você não for muito verdadeiro, muito sincero, não tem por que você fazer mais uma música de amor, se você não acredita que aquela história que você ta cantando é legal. E é legal porque é minha, sabe? Então essa coisa de ser muito íntimo, de dizer muito pra uma só pessoa, eu acho legal. Bater de novo nessa tecla.

MP: O Dave Matthews fala em uma música que “é engraçado como a dor no coração de alguém se torna a canção favorita de outra pessoa”.

Pélico: (risos) Ele fala isso?

MP: Pois é, ele fala. Como é lidar com isso? É legal por que é sua história, mas… não foi legal passar por tudo isso.

Pélico: Não, não foi. É… mas eu tenho que achar legal, né? Ainda bem que os meus desamores viraram canção. Sei lá, se eu não tocasse, eu ia arrumar outra forma de me expressar. Mas… é interessante isso. Eu percebo muito nesse disco como as pessoas se identificam com ele. Como realmente a minha dor é a dor de muitos. Claro, né? O Paul uma vez falou isso, “quando eu gosto de uma canção, eu tenho certeza que várias pessoas também vão gostar”. Então quando você sente que aquilo é muito verdadeiro, você pensa “isso vai servir pra alguém também”. E isso é o maior elogio. Um cara uma vez me mandou um email falando “cara, eu quase cantei, eu recitei, a letra de Vamo Tentá pra minha mulher, só que eu não queria “tentá”, eu queria ir embora mesmo”. E esse tipo de coisa é o melhor elogio. Outras pessoas também se identificam com outras canções, como Não Éramos Tão Assim. O que eu tive muito no outro disco era que os elogios vinham como “olha, eu to impressionado com a sonoridade”, nesse não. Esse emociona. E eu queria muito isso, eu falava “não, cara, se eu tiver que escolher entre impressionar e emocionar, eu prefiro emocionar”.

Não Éramos Tão Assim

MP: Então esse retorno faz você ter passado por tudo aquilo ser algo positivo? 

Pélico: … É… A parte legal é essa, né? É um retorno positivo daquilo que você sofreu. Mas é engraçado como poucas canções desse disco eu compus no olho do furacão, passando pela situação. Eu preciso sempre de uma certa distância, senão vai sair uma merda, vou rimar “amor” com “flor” (risos) Então eu preciso de um certo distanciamento pra fazer isso. Mas eu fico muito feliz, este é o melhor retorno, minha música ser trilha-sonora de algum momento. Porque eu acho que música pop é isso. Adoro canções mais cerebrais, adoro alguns compositores mais nessa onda. Mas pra mim, assim, a música popular tem esse lugar, sabe? Nada mais do que ser a trilha-sonora de um momento da vida de uma pessoa.

MP: E você compõe essas coisas tão pessoais como um desabafo, pra isso tudo ir embora de você, ou você compõe por já estar melhor e poder pensar a respeito?

Pélico: Eu acho que compor é terapêutico sim. É uma forma de vomitar tudo aquilo. Mas eu tenho isso, de escrever pra uma pessoa. Não é só o tema, mas eu sempre quero falar pra aquela pessoa, eu queria que ela ouvisse. Então é sempre um recado, sabe? É difícil eu compor sem querer cutucar alguém. É até uma provocação.

MP: Tanto que Recado é uma das canções mais fortes do disco, sonoramente também.

Pélico: É, ela é muito direta, muito objetiva. “Olha, ouça isso, é pra você”. E eu sempre penso nisso, em sempre compor pra alguém. Ou agradar, ou provocar, ou… E claro, é terapêutico.

MP: O álbum passeia por diversos humores ao longo dele. Isso é um reflexo espontâneo das muitas coisas que você sentiu no fim do relacionamento ou você quis fazer assim de propósito para montar o quadro de como é uma separação?

Pélico: Eu acho que é intuitivo. Na verdade, À Beira do Ridículo, por exemplo, eu fiz quando eu já tava curado dessa separação e eu chego numa casa de shows e encontro a ex… “atracada” com outro cara. Aí aquilo, bicho (já depois de muito tempo), me veio um sentimento machista, saca? Aí essa foi de “bate-pronto”, eu cheguei em casa e fiz. Por que eu me sentia ridículo naquela situação de sentir ciúmes de uma relação que eu não fazia mais parte, de um sentimento que não era mais nosso, porque não tinha mais “nós”, aí você se sente aquilo ridículo, machista. Aí ela saiu bem humorada, porque eu já tava me sentindo assim, “pô, para, to viajando”. Mas isso também de usar um certo humor, assim, eu não sei nem se é muito humor, mas é uma leveza. Os sentimentos podem às vezes machucar muito a gente, os traumas, os nãos, mas se você olhar bem… Ah, é patético, né? (risos) Tem que falar desse jeito. É ridículo.

MP: E às vezes isso parece até aquela agressividade passiva, sabe? “Mas se você não me quer mais, eu vou em paz”, mas na verdade é “já que você não me quer mais, eu vou” e não tem paz nenhuma, né?

Pélico: (risos) É até meio infantil, né? Aquela coisa de jogar a última carta. “Olha, eu vou tentar a última vez”, pra ver se eu ainda tenho algum poder na decisão. Aí você faz aquele charme, né? “Eu vou em paz” (risos).

À Beira do Ridículo

MP: Como você compõe, primeiro a letra e depois a música, os dois ao mesmo tempo ou coloca os versos na melodia?

Pélico: Normalmente, eu faço letra e música. Eu prefiro que seja assim, senão eu sofro pra cacete porque enrosca, é muito trabalhoso. Essa é a forma que eu mais gosto, só que às vezes dá preguiça, você ta meio com sono, “amanhã eu termino”, aí… Ela vai voltar depois de… de um mês, dois meses. Aí você fica ruminando aquilo, e te causa uma angústia. Aí a segunda opção é colocar melodia em letra. A mais difícil é colocar letra em melodia, o que muitas vezes eu faço por preguiça, porque eu não terminei a música na hora. Aí eu me ferro, sofro pra caramba, demoro, aí começo outras, sabe? Mas eu prefiro fazer as duas coisas ao mesmo tempo e normalmente sai assim. Colocar melodia em letra é uma coisa que não é difícil pra mim. Nas poucas parcerias que eu tenho, eu coloco melodia em letra e gosto, acho que consigo um bom resultado. Mas quando eu vou por letra, acho que a melodia limita demais, fico quebrando a cabeça. E às vezes também é facilidade, talvez um outro compositor tenha facilidade de colocar letra em melodia. Eu funciono muito mais da outra forma.

MP: Eu vejo um cuidado especial na lírica nesse álbum, que até aproxima essas composições da canção popular, tanto no vocabulário prosaico, quando na ausência de refrão em algumas músicas. Então, eu vejo a música brotando muito das palavras, que funcionam como instrumentos ali.

Pélico: É, eu gosto disso. É muito um exercício de compor, sabe? Achar um outro caminho pra mim, não é que estou querendo reinventar nada, mas é pra eu mesmo me descobrir como compositor, me desbravar. “Olha, eu nunca fiz isso, eu vou brincar” e aí eu acabo sempre fugindo do refrão. Isso pode até acabar virando um estilo meu, sei lá. Eu to fugindo do que eu sempre fiz, mas na verdade to repetindo o que outros já fizeram. Mas eu gosto também da historinha contada e às vezes deixar a progressão nos instrumentos. Recado tem muito disso, ela vai subindo degraus e, de repente, explode. E eu gosto disso, sabe? Ela é cíclica harmonicamente e não tem refrão, eu vou dando o recado e ela vai crescendo. Eu gosto disso, é mais uma brincadeira de “olha, deixa eu fazer uma música agora mais assim”, sabe? É como brincar de acordes, “eu já fiz uma música com esse acorde? Não, vou fazer”. Ah, e eu gosto muito dessa coisa de usar termos populares, sabe? “Vamo Tentá”, eu curto.

MP: E sua ruptura com o rock, como foi?

Pélico: Ah, uma que eu já tava de saco cheio dessa estética do pop rock (pausa) Pop Rock é uma palavra muito feia, né? (risos) Enfim, o que a música pop usou nos últimos dez anos pós-The Strokes. Esse pop duro, tudo muito duro, guitarrinhas retas. Eu tava meio de saco cheio disso. Eu queria mudar, não queria repetir. E aí vem uma coisa muito pessoal minha também. Se vem muita gente me dizer que eu sou uma coisa, que eu sou roqueiro, eu falo “ah, é? Você tá achando que eu sou isso? Então espera aí” (risos) Tem um pouco disso no O Último Dia de um Homem Sem Juízo (o primeiro disco), já tem esse flerte com a música dita “brega” dos anos 70. Aí agora as pessoas chegam e falam “então você gosta é disso, dessas canções” e eu respondo “ah, é? Péra aí, que que eu vou fazer no próximo, então?” (risos).

MP: E o que você vai fazer no próximo então? Você disse que em um as pessoas ficavam impressionadas e no outro, emocionadas. Qual é o próximo passo?

Pélico: Quero que as pessoas fiquem com raiva, quebrando tudo (risos) Já to compondo e já quero saber o que fazer, e posso chegar à conclusão de que vou me aprofundar muito mais nisso, dar continuidade a essa busca da canção popular e poder trabalhar mais isso, eu não sei. Talvez eu grave um disco punk, não sei. Mas já to pensando e to inquieto por causa disso.

 MP: Depende também daquilo que vai te inspirar, né?

Pélico: (enfático) É! Muito. Eu ainda to vivendo muito as coisas do lançamento, as entrevistas, e isso me incomoda. Eu sei que faz parte, mas me incomoda, porque parece que eu to só olhando… (aponta pra si mesmo) É uma coisa meio “egóica” mesmo, todo hora falando de você, da sua música, de não sei o quê. E é natural, né? Se eu virar pra assessora de imprensa e falar “to pensando em fazer outro”, ela vai me mandar calar a boca (risos) “Quer acabar com o meu trabalho?”. Mas é um processo em que você fica meio enjoado de você, sabe?

Recado

MP: E como é sua relação com essas letras hoje? Por que você ainda ouve elas o tempo todo, né?

Pélico: Claro, eu toco nos shows e tal.

MP: Mas, então, como é pra você ouvir Que Isso Fique Entre Nós hoje?

Pélico: Ah, não parece nem meu, mais. Eu me sinto dono daquilo até gravar. O processo é cansativo, você produz, aí grava, aí tem mixagem, masterização, aí… Quando você lança aquilo, você já ouviu tanto e você já não sabe mais se é seu. É bizarro isso. No final, acho que nem é bizarro, com todos os compositores que eu converso acontece isso. Também, por algum motivo, eu tive que ouvir o Último Dia de um Homem Sem Juízo e, pô, adorei. Que disco bom, sabe? Mas já com muita distância. E hoje em dia, pra mim, já canto essas músicas como se estivesse cantando algo que não é meu.

MP: Não é mais um desabafo, né?

Pélico: Não é mais um desabafo. Eu não me sinto tão preso àquilo.

MP: Você se inspira muito com as músicas que ouve?

Pélico: Eu tenho ouvido muito Marcelo Camelo, Leo Cavalcanti, Filipe Catto, muito a galera que tá produzindo agora. O Rômulo [Fróes] e o Passo Torto, ouvi outro dia e fiquei de cara. O Rafael Castro também, Apanhador Só. E ouço sempre Beatles, Jeff Buckley. Na real, eu ouço música como ouvinte, não como músico. O que mais me inspira, principalmente em letra, é um papo. Você fala alguma coisa legal e eu fico matutando isso, muito mais do que uma letra de música. Eu fico tão envolvido, a pessoa fala e eu penso: “isso é uma letra de música, isso foi um trecho”. Essa coisa do cotidiano, do papo com um amigo, ou ouvir uma história, isso me inspira muito. Talvez seja por isso que eu use tanto esses termos populares nas letras. O meu barato é esse. A finitude das pequenas histórias me emociona, sem preconceitos. Isso me alimenta, eu gosto de perder o meu tempo com isso, sentar com um amigo e ouvir histórias. É o que mais me inspira.

Que Isso Fique Entre Nós

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