Entrevista: Lupe de Lupe

lupe de lupe

Com um novo EP saído do forno e prestes a embarcar para uma turnê pelo nordeste, finalmente fui atrás de algo que estou enrolando há muito tempo pra fazer: Uma entrevista com a banda mineira Lupe de Lupe – um dos nomes mais interessantes que ouvi nos últimos tempos.

Com um som que consegue ser cru e rebuscado ao mesmo tempo, visceral e pop, ruidoso e melódico, conheci o grupo em 2011, quando foi lançado o incrível disco Recreio – que eu lembro de ouvir alucinadamente no ônibus, pirando nas letras e nas guitarras -, daí veio o álbum Sal Grosso no ano passado, igualmente bom, e a discografia agora ganha Distância, que pega as qualidades da banda e as cozinha em uma panela de pressão com letras pra lá de sinceras e versos de longa digestão.

Conversei com Vitor Brauer, vocalista da Lupe de Lupe, sobre o lançamento e foi bem legal ver as ideias do cara e dar uma dimensão interessante pro quanto eu sempre curti a banda: É um pessoal com as ideias muito fundadas, e poucos conseguem fazer algo interessante sem isso. Veja aí o que ele me disse e fica o desafio de você ouvir músicas como Homem sem alguns bons frios na barriga.

Música Pavê: Se Sal Grosso vinha com alguns dedos na ferida, Distância parece surgir como uma grande fratura exposta – e haja adrenalina pra dar conta do trauma. Como foi a escolha de tratar de temas tão pessoais com tanta franqueza?

Vitor Brauer, da Lupe de Lupe: Essa é uma escolha da banda desde o início da idéia por trás do Sal Grosso. A gente sentia falta na música brasileira de algo mais pungente e pessoal, algo de real. A geração Los Hermanos acabou se viciando no estilo Los Hermanos de escrever, estilo O Velho e o Moço da vida, contando história de jornal ou algo como uma crônica social, sei lá, e tudo isso de uma forma super movediça e frágil. Resolvemos tomar as rédeas e fazer algo mais direto e pessoal, talvez por ser mais arriscado e, por isso, mais forte. Quando você diz uma frase muito direta e pessoal, isso gera um desconforto e um estranhamento, mas que acabam criando uma identificação e uma realidade com o público. Mais ou menos o que é feito no rap, só que sem ter de tirar onda demais e tal. Com o tempo, virou meio que o estilo das letras da banda. A galera sempre quer mais frases diretas, fortes e profundas, e isso é o que a gente quer e tenta fazer. Eu lembro que alguém da nossa banda disse uma vez que a única maneira de dizer coisas novas no século 21 é se você dizer elas no contexto da sua vida, porque ninguém vive o que você viveu na hora que você viveu exatamente como você viveu. Então, até uma frase do Shakespeare no meio de um monte de guitarras e dentro de uma outra história vira uma frase nova, e acaba gerando outras histórias e sentimentos novos, assim por diante. Sou adepto de que a vida e a arte tem de se mesclar o tempo inteiro pra se criar algo característico.

MP: A “distância” do título pode passar diferentes conotações. Pode ser uma localização física que dá uma nova perspectiva para a vida, ou um espaço de tempo maior para digerir as experiências ou mesmo um distanciamento emocional que possibilita tocar nesses assuntos. Qual dessas está “mais perto” da realidade do disco?

Vitor: Acho que todas estão perto (risos)! Mas vou explicar melhor pra não ficar nessa resposta simples. A gente sempre pensa o nome do disco baseado na nossa vida e no nosso momento com a banda (como as nossas letras). O que começou com uma palavra que explicava o distanciamento físico que nós temos (eu e o Gustavo, a gente se vê direto, mas o Cícero a gente nunca vê e o Renan está morando atualmente em Pelotas, então a gente nunca vê ele mesmo) acabou ganhando outras interpretações no contexto das músicas. Começamos a pensar nas letras e a trabalhar com a ideia de distanciamento em todas, desde o distanciamento dentro de um relacionamento amoroso, ou o distanciamento que você sente em relação a um amor platônico, ou mesmo a dor que vem com a distância. Os nomes dos discos tem de proporcionar uma nova perspectiva para cada música. Então, é um pouco de tudo.

MP: Pra vocês, o amadurecimento como artistas é o que dá base para expor temas mais complexos ou ele “exige” que vocês saiam cada vez mais da sua zona de conforto?

Vitor: Depende do momento em que a banda está. Nesse momento, a nossa banda precisa de sair da zona de conforto pra continuar sendo positivo pra gente e pros fãs. Talvez em algum momento, o amadurecimento venha como uma base para expor temas mais complexos, mas agora, eu acho que esses temas mais complexos e mais arriscados vieram com a necessidade que a gente tem de continuar a melhorar e continuar fazendo músicas que importam. Acho que faz parte da carreira do músico ir se transformando e, o mais importante, não ficar na zona de conforto. É melhor pra todo mundo a gente fazer umas músicas igual Tainá Müller do que um monte de Às Vezes ou Os Dias Morrem, que são ótimas e fazem muito sucesso e blá blá blá, mas metade do trabalho é empurrar as suas próprias barreiras, assim você continua interessante para si mesmo e para os outros. É muito mais difícil cantar e lançar músicas com temas complicados como homossexualidade e traumas. Tem que permanecer naquele lugar de “você ouviu a música nova da Lupe de Lupe?” e ao mesmo tempo continuar sendo interessante pra gente também. É uma preocupação, mas que você tem que lidar. Justamente por essa preocupação existir também é que saem essas músicas mais arriscadas. Porra, é muito positivo quando você sente medo de lançar uma coisa, medo de não ser bom o suficiente, medo de estar na zona de conforto. Em algumas bandas isso funciona como uma espécie de freio, “é melhor continuar fazendo o que a gente faz bem”, mas pra gente funciona de outro jeito, a gente pensa “a mudança gera medo, mas é preciso arriscar a glória”, como diriam os caras da Quase Coadjuvante.

MP: Noise pop, loud rock, punk experimental – até que ponto vocês acham importante que uma banda se paute por um determinado estilo pra criar? As catalogações que fazemos hoje são suficientes pra dar conta da liberdade criativa que os músicos tem?

Vitor: Ah, sinceramente, eu me divirto com as classificações. Sea-punk, tweegaze, blá blá blá. Mas, respondendo sua pergunta, agora sério, não acho que a banda tem que se pautar num estilo, é foda, mas é aquela velha história, tem de continuar empurrando as barreiras. Se nosso próximo disco for violão e voz e a gente (sei lá como) conseguir manter o estilo da banda de composição e essas coisas, é possível que ainda seja noise pop, mas a gente não vai tá se pautando no que define o estilo noise pop no Google. E não acho que a catalogação é suficiente. Mas assim, nunca será suficiente, não adianta tentar catalogar e dividir as bandas e as músicas, isso aí é impossível. A “Biblioteca de Babel” manda um abraço pra todo mundo que ainda tenta dividir as coisas assim. Eu acho mais positivo dividir pelos humores, se você for parar pra pensar. Tem hora que você quer ouvir tal coisa e tem hora que quer ouvir outra, independente do que a banda ou os jornalistas dizem que é, no fundo é o seu humor e sentimento do momento que definem. É tipo ir na boate e ver tipo “Noite Dubstep”, porra, acho isso um saco. Vamos supor, se os caras tocarem um Tame Impala no meio de uma música bem loucona lá, pode cair bem, “mas não, isso não é dubstep, dubstep é assim e assado”, aí outro chega e fala “mas Burial é dubstep também, aí é pós-dubstep larara” – acho isso um saco, do mesmo jeito quando é noite de rock e não pode tocar um dubstep. Acho que todo mundo tem de abrir a cabeça mesmo, parar com essas bobagens. Mas não, eu vim aqui pra ouvir rock e não gosto de música eletrônica, “música de robô? Sai fora”. Não façamos das nossas vidas uma noite na boate.

MP: Lupe de Lupe está frequentemente associada a outras bandas, como Quase Coadjuvante e Young Lights. Quanto é importante pra bandas independentes ter essas “parcerias”?

Vitor: Acho muito importante. O movimento “Geração Perdida de Minas Gerais” se ajuda, se critica e se julga; isso é crucial pra um artista. A gente faz as coisas juntas. Só demos um nome pra quem é de fora poder associar as bandas e artistas e saber o que as esperam. Tipo, o som da Young Lights pode ser bem diferente dos nossos, mas os sonhos são bem parecidos e, por isso, algo ali remete a algo nosso, sem dúvidas, assim como o trabalho da artista Paola Rodrigues e do escritor Marcelo Diniz. Pode parecer meio megalomaníaco, mas é super natural isso de se associar. É como o Odd Future faz e é como o Oswald de Andrade e a galera fizeram no começo do século, essas coisas. A gente se uniu pra se ajudar, fazer eventos, fazer os fãs de uma banda ouvirem a outra, lerem o trabalho do escritor que faz parte do coletivo, ver as artes plásticas da outra, etc. Deu uma impulsão muito grande no trabalho de todo mundo, a meu ver. Até um pouco num nível de competição entre a gente também (risos).

MP: Sua realidade como juventude da capital mineira é combustível direto para suas composições. Se pudessem arriscar supor, como seria o som da banda se fosse feito em outro lugar?

Vitor: Essa pergunta é boa, hein? Peraí, se fôssemos de São Paulo, íamos ser a banda de apoio do Jair Naves, obviamente; Se fôssemos do Rio, íamos ser mais MPB; Se fôssemos do centro-oeste, seríamos mais desconhecidos; Se fôssemos do nordeste, íamos ser mais felizes, mais gente boa e mais carismáticos; Se fôssemos do sul, íamos ser mais chatos, muito mais chatos; E se fôssemos do norte, íamos ser a melhor banda do mundo, mas íamos ter de mudar pra São Paulo, aí deixaríamos de ser a melhor banda do mundo, ficaríamos tristes, mas seria legal. Simples.

##Turnê Nordeste 2013

08/11 – Festival Maionese – Maceió
09/11 – Festival DoSol – Natal
14/11 – Show em Floresta – PE
16/11 – Festival DoSol – Mossoró

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