Entrevista: Leo Cavalcanti

Ouvir Religar, o primeiro disco de Leo Cavalcanti, é reconhecer muita sinceridade de quem se entrega por inteiro à arte, o que também fica claro quando a gente o vê ao vivo no palco. Por isso, quando fui conversar com ele, por telefone no meio da tarde, a impressão que eu tinha é que conversava com um amigo de longa data, tanto era o que eu já conhecia de seu interior. O Leo (e chama-lo assim, usando apenas três letras, dá ainda mais ideia de intimidade) ingressou na música aos 14 anos, quando tocava com seu pai, o artista Péricles Cavalcanti. Ele começou na percussão, mas logo foi atrás de outros instrumentos e a trabalhar em suas próprias composições. Doze anos depois, ele lançou esse seu primeiro álbum, o resultado de muito tempo de desenvolvimento de sua sonoridade e de seus versos. Conversei com ele sobre essa trajetória, suas letras, espiritualidade, família, seu primeiro videoclipe (Sem (Des)Esperar, com Tulipa Ruiz) e seus próximos planos.

Música Pavê: Pra começar, conta um pouco sobre seu processo de criação. O que te inspira para fazer música?

Leo Cavalcanti: Meu processo de criação é completamente caótico (risos), não tenho método nenhum: cada caso é um caso, cada música, uma música. Às vezes, passo muito tempo sem compor nada, e aí, de repente, em poucos dias componho muitas. Não sei explicar direito de onde vem, mas o que eu consigo perceber é a importância terapêutica de composição. Pra mim, me sinto motivado a compor quando eu tenho vontade de esclarecer questões e aspectos importantes e entrar em contato com as questões mais… “misteriosas da psiqué” (risos). Acho que, de alguma maneira, eu tendo a ter uma forma, uma via existencialista nas minhas composições, acho que elas falam sobre a existência num sentido mais geral, sobre essa coisa maluca que é estar vivo, ter um corpo e uma mente com uma estrutura tão maluca. Isso me apaixona, essa necessidade extrema e urgente da gente se conhecer e se deixar nu para si mesmo, conseguir identificar as nossas máscaras e quem a gente é de verdade. Acho que a gente vive em um momento da humanidade em que isso tá extremo, essa dificuldade individual, coletiva, da gente se conhecer e saber quem a gente é e ter o nosso centro interno no meio de tanta informação, tanta confusão, tanto desequilíbrio, tanta violência, física e moral; Acho que essa necessidade da gente encontrar o nosso belo, o nosso esteio, a nossa morada interna. Eu costumo falar sobre isso, esse é o assunto que me atrai. O fato do disco chamar Religar não é à toa, eu gosto dessa palavra porque eu acredito nesse movimento, acredito que o ser humano precisa mais do que nunca desse movimento de religar-se a si mesmo, abandonar as ilusões e estar presente dentro do que se é. É mais ou menos por aí, aquilo que une psicologia e espiritualidade, no sentido menos místico da espiritualidade e mais sacralizado da psicologia.

MP: Essas questões que o álbum levanta e comenta são resultados do momento que você estava vivendo quando o lançou ou são consequências de diversos momentos ao longo da sua vida?

Leo: Sim, o disco agora é resultado de vários momentos que eu vivi, ele é um fruto, um compêndio, de todo o meu processo de composição, que começou desde quando eu tinha 14 anos, mas tem músicas que eu fiz desde os 18, desde que eu comecei a focar na composição. Tem músicas mais antigas, como Sem (Des)Esperar, Vou Ser Você, que foi uma das minhas primeiras músicas, até mais recentes, como Inalcançável Você e Religar, que é a mais recente do disco. Eu acho que não necessariamente elas tem um vínculo direto com fatos que aconteceram na minha vida., às vezes é pensando no outro também. Percebo que eu não tenho vontade de falar sobre o meu ego – assim, falar “o Leo Cavalcanti que passeia na Vila Madalena e compra o pão na padaria da esquina” (risos) -, tudo o que eu coloco ali é, de alguma forma, conectado a algo que eu já vivi ou alguma paisagem emocional minha, mas eu procuro buscar trazer pro mais universal possivel, sem restringir a uma coisa de gueto ou da minha vida em particular. Eu não tenho interesse em falar da minha vida particular nessas formas, eu gosto de chegar naquele ponto em que a minha experiência é sua também, enfim, fazer o que é comum dentro da gente. Mas, o Religar, como primeiro disco, tem aquela coisa de ser algo que você ficou preparando durante 27 anos, então ele vem com toda essa coisa de ser um caminho musical que começou aos 14 anos.

MP: E como é lançar um primeiro disco aos 27 anos, quando você é jovem, mas não é um “moleque”, mas ainda assim, mesmo com maturidade, vai ser visto como “novo” na música pela mídia?

Leo: Então, eu não sei, eu me sinto novo (risos). Apesar de eu pensar que, “puxa, eu tenho 14 anos de vida profissional, metade da minha vida trabalhando com música”, eu me sinto muito novo. Tudo pra mim é uma experiência novíssima, como ter lançado o primeiro disco, agora que tá caindo a ficha do que que é isso, porque eu comecei a tocar como instrumentista, eu tocava percussão, é novo pra mim também estabelecer uma carreira solo, apesar de ser algo que eu sempre quis, sempre almejei. Acho que, em relação à mídia, é engracado… (pausa) Eu vejo um hábito que eu acho que é bem humano, isso de querer relacionar as coisas novas com coisas antigas.  “Não sei quem é um novo Y”. Isso é natural, faz parte do processo de conhecimento, relacionar com algo que você já conhece, mas pode ser um empecilho na hora de ouvir algo que tem uma identidade particular. Mas acho que, nesse ponto de vista, eu não posso reclamar. O feedback que eu tenho tido está sendo muito bom, tá sendo interessante. Religar é um disco denso, tem muitas camadas tanto sonoras, quanto as letras acho que nem sempre são algo que seja absolutamente óbvio, então é uma coisa que eu acho que incita a reflexão, as pessoas tem dito isso também, ao mesmo tempo que é pop, explosivo. As pessoas também ainda o estão descobrindo, faz mais de um ano que o lancei e ele ainda tá sendo descoberto. Isso é muito legal. Diariamente, muita gente me escreve: “não tinha ouvido” e “que lindo, nao sei o quê”, adorando. Geralmente, me escrevem elogios, acho que os que nao gostam não se prestam a escrever pra mim (risos), mas deve ter muita gente que estranha. Eu nao quero ser só aprovado, esse não é o meu foco.

MP:  Como você trabalha a influência do seu pai, o peso desse seu sobrenome? Existiu, alguma vez, uma necessidade de romper com a sua herança e buscar algo unicamente seu?

Leo: Acho que isso é uma coisa absolutamente sem crise pra mim. Eu vejo que o meu trabalho vai naturalmente por outros caminhos do que o trabalho do meu pai, ao mesmo tempo que eu tenho outros interesses de sonoridade e a forma de falar das coisas. O teor da nossa poética é diferente mesmo, a musicalidade vai pra outro lugar, eu tenho outro tipo de relação com melodia, harmonia – são coisas até difíceis de explicar. Na verdade, ao mesmo tempo, meu pai é muito responsável pela minha formação musical, afinal de contas eu cresci vendo-o tocar, comecei minha vida profissional tocando com ele e tudo o que eu ouvi, a maior parte das coisas que ouvi na minha vida foi dentro de casa. A gente sempre ouviu coisas do mundo todo, um repertório muito eclético de músicas brasileiras dos anos 30 até jazz, Michael Jackson, música clássica, flamenco – que eu me interesso mais, sou conectado especialmente com isso e é mais um diferencial meu, sou conectado a sonoridades orientais, indianas, árabes, estou estudando flamenco e também sou conectado ao r&b, sei lá, a coisa pop MTV que eu cresci vendo – mas meu pai também é uma pessoa muito sintonizada com a música atual, ouve de tudo. Mas, eu sinto que as duas coisas existem muito bem, acho que a minha formação tem muito a ver com a minha família. Me sinto absolutamente filho, mas não me sinto dando continuidade a um trabalho e ele também reconhece isso. Ele sabe que a gente tem trabalhos distintos, a minha relação com música é bem independente do trabalho dele, até a necessidade de expressão é diferente, é tudo meio misturado, tudo coexiste, tudo rola muito legal.

MP: Conta um pouco sobre o videoclipe Sem (Des)Esperar. Como foi gravá-lo?

Leo: Foi muito divertido fazer o clipe, foi adorável, uma experiência muito boa. Minha ideia inicial era fazer o clipe de outras músicas, já tinha alguns projetos que acabaram não rolando por mil circunstâncias. Aí a Nina, minha irmã, produtora e videomaker, com os parceiros dela vieram com essa proposta de fazer o vídeo com a gente com cabeça de bicho. Achei muito legal, divertido, porque acho que eu nunca pensaria em alguma coisa assim pra esse clipe. E aí foi muito delícia, porque ficou um clipe leve e bonito, gostoso, simples, e pôr a cabeça de leão é uma coisa muito maluca, transformadora, não precisa fazer muita coisa, é só colocar essa cabeça que parece que “baixa um lance” ali. Aí, a gente fez com uma equipe de amigos, naquele esquema de produção-amor, com todos interessados, e foi aquele tipo de trabalho que faz a gente pensar que todo trabalho deve ser assim, colaborativo. A gente criou o roteiro junto, fez tudo junto, e isso é muito gostoso. É uma música que é importante pra mim. A Tulipa, uma grande amiga, queridíssima, cantar e participar do meu disco e dessa musica é muito especial. É a música mais orgânica do Religar, a mais ao vivo, porque o disco é feito de muitas colagens eletrônicas, então ela dá um tempero diferente. A repercussão foi muito louca, as pessoas fazendo várias teorias, atribuindo vários significados, falando de “amor incondicional sobre as diferenças” e a gente não tinha “mensagens subliminares”, era uma história de amor com cabeças de bicho. É um clipe longo, mas super leve, e as crianças o amam. No lançamento, a gente passou no cinema com pipoca pras crianças, aí tinha uma que falou que sempre que o leão fica triste, a girafa manda uma pecinha do quebra-cabeça pra ele (risos). Fora que o clipe tem participação de pessoas muito queridas em interpretações brilhantes, é muito bom. Acho que isso é importante, meu primeiro clipe ter a participação de tantos amigos, tantas pessoas queridas, me faz querer ficar fazendo mais e mais e mais vídeos.

MP: O que você já tem planejado para os próximos clipes?

Leo: Ainda não tô com muita clareza, mas eu tô cada vez mais interessado por dança. Acho que os próximos clipes serão clipes de dança com coreografia, e eu to com umas ideiazinhas bem legais. Cada vez mais, o universo da dança me atrai, cenicamente inclusive, meu estudo com flamenco envolve isso e eu fazia dança afro. Enfim, eu acho que eu tenho uma coisa com movimento, não consigo cantar muito quieto, eu canto com o corpo inteiro, e a coisa percussiva é muito forte na minha música também, eu tenho uma relação muito forte com percussão e ritmo. Eu acho que os dois próximos clipes vão envolver muita dança, mas é melhor não falar muito sobre isso porque ainda são embriões (risos).

MP: E o que você quer para seus novos vídeos?

Leo: Quero explorar mais o campo audiovisual, encontrar estéticas, estender a composição da música com imagens. A canção não é uma coisa fechada em si só. É bonito ver isso também, ver a leitura dos outros sobre a sua canção, e eu vejo que é engraçado isso. Eu tenho reparado como com o  Religar as pessoas falam: “puxa, essa música foi muito importante na minha vida por causa disso” e fazem comentários de coisas que eu não percebia antes. A canção tem vida própria, não pertence mais a mim. E isso é muito bom, ver que o filho foi pro mundo, já é um negócio independente.

MP: Poxa, Leo, então muito obrigado pelos seus filhos.

Leo: De nada, vamos fazer mais filhos! (risos)

Baixe o disco Religar, de Leo Cavalcanti, em seu site oficial.

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