Emicida e Fióti comentam “Rap do Motoboy”

“Visibilidade” é a palavra: Rap do Motoboy, clipe já comentado no Música Pavê, trouxe à evidência um grupo de trabalhadores ora marginalizado, ora simplesmente ignorado nas grandes metrópoles. “Eu me vejo muito no trabalho desses caras”, falou Emicida ao site, “os caras levam documento, levam alimentação, fazem com que a vida continue na metrópole. O que a gente faz é também circular, levando uma mensagem, alguma coisa pra que a vida continue”.

A entrevista aconteceu durante evento promovido pela marca iFood – também responsável pelo financiamento da música e do vídeo -, no qual ele e seu irmão Fióti se apresentaram de surpresa para um grupo de entregadores da empresa que atenderam um chamado de serviço e foram ao local sem saber que fariam parte de uma grande festa.

Na visão da marca, como relatou o diretor de logística Roberto Gandolfo, eles são “uma força motriz para fazer a máquina girar. É muito importante que as pessoas deem valor ao entregador que chega ali na casa delas com o pedido. Isso vai desde a famosa gorjeta até entender que alguém teve que se esforçar, faça chuva ou faça sol, mesmo em um domingo à noite. Esse clipe dá visibilidade a eles, para que todos entendam a importância que eles têm dentro de todo esse ecossistema”.

“Eu sempre quis fazer uma música que chamasse ‘Rap de alguma coisa’ (risos), porque os caras dos anos 80 sempre tinham Rap da Lagartixa, Rap do Corinthians, eu nunca tive um ‘rap de’ uma determinada coisa, pensei que essa era uma oportunidade única de fazer isso”, brinca Emicida, “tenho vários parceiros que são motoboys, tem uma sintonia muito profunda entre nós e eles porque nós dois acontecemos na rua – a batalha de freestyle, o show e o nosso corre em si, e eles conectam a cidade inteira”.

“É o encontro de dois pólos de mercados que estão em segmentos diferentes, mas que enfrentam algumas dificuldades e preconceitos similares”, comenta Fióti, “é importante a gente usar hoje da notoriedade, da visibilidade que a gente de alguma forma conseguiu através da música, pra poder se juntar a eles e poder transmitir essa mensagem de empoderamento e superação, e servir de exemplo para que eles, no dia a dia, tenham uma inspiração a mais pra fazer o trabalho que já fazem. Eu fui gerente do McDonalds e os motoboys trabalhavam 12, 14 horas por dia. É um trampo bem exaustivo, você lida com várias questões excludentes da cidade mesmo, a forma com que os moradores atendem as pessoas, a forma com que a gente quer que o serviço entregue rápido, mas, ao mesmo tempo, você tem um preconceito com motoboy enquanto tá dirigindo”.

Para além da faixa e clipe, a ação seguiu com uma linha de roupas promovida pela marca Lab Fantasma (da qual os dois músicos e irmãos são sócios), que vestiu os motoboys da iFood com novas jaquetas e caixas de entrega, tudo feito com estampas que refletem a estética das ruas de São Paulo. “Pra mim, é bacana que as roupas contem histórias”, diz Emicida, “a gente ficou girando lâmpada pra caramba pra pensar como isso podia ser desenvolvido, que tipo de mensagem a gente ia trazer, se ia escrever alguma coisa, mas a gente achou que ia ser muito verdadeiro se chegasse nesse símbolo aqui. E o designer conseguiu sintetizar muito bem essa ideia do mapa da cidade, parecendo um raio-X”. 

Nos últimos anos, a vida dos dois artistas foi marcada por um grande trânsito entre grupos sociais de pouca visibilidade e contato com “celebridades” de alto calibre na televisão e afins. Ao serem perguntados sobre o quanto essas interações tão diversas contribuem para um olhar mais amplo sobre o Brasil, Emicida conta: “Acho que, do ponto de vista pessoal, em uma parada humana, circular por tantos lugares diferentes faz com que a gente compreenda um pouco melhor o país onde a gente vive, com todas as suas diferenças. Acho que a gente acaba sendo um ponto de intersecção entre muitas coisas e, através da música, tenta compartilhar essa necessidade da gente aproximar todos esses universos. É uma oportunidade única de estar sempre conversando com gente diferente, porque a gente tem um país que é valioso, principalmente do ponto de vista cultural. E acho que a cultura ainda é um campo onde se plantam sementes para que a revolução aconteça. As coisas que a gente precisa que aconteçam na sociedade, primeiro elas têm que acontecer no imaginário das pessoas, entende? E quanto mais a gente circula, quanto mais a gente se conecta, mais a gente sente a necessidade de aproximar cada um desses universos”.

“Eu concordo com isso”, continua Fióti, “acho que a gente tem o privilégio igual os motoboys, que conhecem bastante uma região específica, um município como a palma da mão, e a gente tem a oportunidade de conhecer o Brasil, quiçá até o mundo, através da música. Então, você vai enriquecendo muito o seu repertório, o seu conhecimento, faz você ter uma visão bem diferente das coisas porque faz você ter muitos pontos de vista. É uma das coisas que mais me enriqueceram através do trabalho nos últimos dez anos, é um privilégio de uma profissão que nem todas têm. Acaba virando coisas para sua vida pessoal e também enriquece o projeto artístico. Na verdade, a música é isso, você expressa em notas e em melodias aquilo que você tá sentindo. Tem a ver com esse caldeirão, por isso que quanto mais mistura, melhor”.

Depois de dialogar com os entregadores, eles dizem que ainda há muitos outros grupos de trabalhadores que também merecem esse destaque (“empregadas domésticas, garis”, relembra Fióti, “carteiros – amo carteiro, eu queria ser carteiro”, comenta Emicida). “É uma questão complexa que mexe com toda a distribuição econômica”, explica Fióti, “a gente faz só uma etapa do processo, depende realmente de uma conscientização maior, uma transformação social maior. É importante ter marcas como iFood tentando de alguma forma sair do seu quadrado, deixando de fazer o marketing pelo simples intuito de fazer marketing e usar isso como uma ferramenta de transformação social. As marcas fazem parte do nosso ambiente, do nosso dia a dia, é super valioso elas colaborarem com essa reflexão”.

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