Duas noites com James Blake

Uma das minhas prioridades nessa primeira edição do Sónar SP era conferir o som de James Blake ao vivo nas duas situações, uma em cada noite do evento, em que ele se apresentou: a primeira como DJ e, no dia seguinte, tocando suas próprias músicas ao vivo. Por mais que eu estivesse curioso para ter as duas experiências, não imaginava que elas juntas adicionariam tanta dimensão a minha maneira de entender seu trabalho.

Minha relação com Blake já dura algum tempo. Ele já tinha me prendido a atenção com seu álbum e me emocionado com sua cover de A Case of You, então me parecia a hora certa para nos “encontrarmos pessoalmente”. Cheguei no evento e logo já identifiquei o palco em que ele comandaria as pick ups antes da apresentação da Kraftwerk. Com quatro ou cinco minutos de atraso, ele entra tímido com um aceno em resposta aos aplausos. É um garoto magro, alto e tímido, como tantos outros branquelos que conhecemos, que logo começa a tocar para vencer a vergonha.

É aí que ele começa a tecer frases musicais a partir de tantos samplers e batidas, sempre com um grave poderoso que estremecia todos os que estavam perto da grade e preenche a dinâmica entre os efeitos, acordes e vocais de seus mixes. Ele trabalhava concentrado – o que o distraía da timidez – soltando um sorriso ou outro quando começava uma de suas faixas preferidas. Como todo bom DJ, Blake é, acima de tudo, apaixonado por música.

Após os pedidos frequentes do pessoal da produção para continuar tocando (porque a Kraftwerk iria se atrasar), ele finalizou sua apresentação e saiu com o mesmo sorriso embaraçado com que entrou, agradecendo a ovação. O que ficou daquele momento foi o domínio que o artista tem em compor momentos musicais com uma grande sensibilidade narrativa entre diversos estilos, utilizando faixas desde Destiny’s Child até sua própria Unluck, que abre seu álbum e inaugurou também seu show na noite seguinte.

Dessa vez, o ambiente era outro. Em uma sala com assentos, Blake entrou no palco acompanhado de dois músicos, um que misturava guitarra com sintetizador e outro com uma bateria eletrônica e pratos. Sem projeções nas telas, ele apresentou suas canções com diversas pausas marcadas pelo timbre de piano em seu teclado e, novamente, a grande presença dos graves – que permitem que os acordes anteriores reverberem na memória enquanto caminham por essa camada sonora que ouvimos diretamente na caixa torácica.

Ele utiliza sua voz como se ela estivesse sampleada, soltando pequenos vocais em meio ao instrumental, muitas vezes cheios de efeitos. A maneira com que ele brinca com sua voz é a mesma com que ele apresenta a progressão de suas músicas, como I Never Learnt to Share e Limit to Your Love, que se iniciam quase minimalistas e ganham dimensões e elementos que as levam para diversos lugares.

The Wilhem Scream encerrou a uma hora de show, que contou com diversas declarações de amor e pedidos de casamento vindos da plateia – o que me faz completo sentido. Após um contato tão intenso com sua maneira de pensar e de sentir musicalmente, faz sentido querer levar o relacionamento com James Blake um passo à frente. Sinto falta de mais músicos assim, que saibam nos questionar como ouvimos música, o que entendemos dessa arte. Ele é um dos poucos que sabem ser inventivos e experimentais sem perder sua humanidade, criando músicas que emocionam e envolvem de um modo em que toda a sintetização seja percebida como orgânica. Nada mais natural, também, que se deseje um relacionamento cada vez mais duradouro com o moço.

(Volte sempre, Jimmy. Me liga.)

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